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VOA News: África

sábado, 6 de outubro de 2007

Paz sem reconciliação

Por Domingos Kantelu -  Militante da Renamo

 

Decorridos 15 anos desde a assinatura do Acordo Geral de Paz, tarda em singrar a reconciliação, uma das pedras angulares do acordado em Roma. O discurso oficial do governo e do partido no poder mantém-se na essência o mesmo. O recente debate suscitado pelas declarações do arrivista Máximo Dias sobre a fundação da Renamo serviu para confirmar isso mesmo.

 

A reconciliação dos moçambicanos desavindos já era defendida pela Renamo há mais de década antes do início do processo negocial conducente à paz, mesmo quando da parte do governo da Frelimo se insistia na solução militar de um conflito que era essencialmente político. A negação da existência de uma oposição em Moçambique, repetida amiúde pelo regime até ao começo das negociações de paz mostrava quanto difícil iria ser a inversão de um discurso a todos os títulos divorciado da realidade vivida no terreno pelas forças governamentais. Para o governo, os que se lhe opunham na vastidão do país eram somente moçambicanos instrumentalizados, e os "cabecilhas" eram a escória e o refugo do sistema colonial. Os moçambicanos que se sobressaíam, como André Matsangaice, eram rotulados de corruptos. Em suma, gente sem ideais políticos e um movimento sem um programa claramente definido, e ambos sem nenhuma base social de apoio. No fundo, esta a terminologia que sustenta o actual discurso do regime e a sua política de exclusão.

 

Mas para além dos estereótipos, ressalta a olhos vistos que a luta travada pela Renamo alicerçava-se em algo de concreto e palpável, e que os seus membros, desde a era Matsangaice à actual, batiam-se por uma causa que era justa. A própria natureza totalitária do regime político instaurado no pais após a independência era como que a prova incontornável da legitimidade da luta travada.

 

A oposição de André Matsangaice ao regime fundamentava-se em dois aspectos de destaque. Um, a política de terras do governo, e o outro, o confisco de bens privados no âmbito de uma pretensa política de nacionalizações. A terra era algo de sacrossanto para Matsangaice. De geração em geração os antepassados de Matsangaice vinham transmitindo aos seus filhos e netos a terra que lhes fora doada em tempos primórdios por participação em campanhas militares, mormente nas fileiras de Mutassa na sua disputa com Makone, e na expansão Nguni naquilo que é hoje a província de Manica. Ao declarar a terra como propriedade do Estado, retirando assim aos anteriores proprietários a autoridade que haviam historicamente conquistado sobre a mesma, teve inevitavelmente de provocar um conflito. O mesmo se pode dizer a respeito de uma outra medida introduzida pelo governo da Frelimo logo nos primeiros meses de independência que foi o confisco de escolas privadas. Entre os visados dessa política contava-se a família Matsangaice, proprietária de uma pequena escola em Manica.

 

As medidas impopulares do governo multiplicavam-se, chocando com sensibilidades várias: a negação da entidade étnica dos moçambicanos sob a capa de um combate cerrado ao que se designava de tribalismo, a rejeição e repressão de tradições seculares, e o espezinhar de uma cultura pejorativamente identificada como sequela da sociedade feudal selaram do divórcio entre Matsanagaice e o regime

 

Como que a completar a posição de Matsangaice, estavam os que rejeitavam a ditadura imposta a toda a Nação por um governo que se orgulhava de ter combatido o fascismo mas uma vez no poder submeteu todo o povo moçambicano a um novo sistema totalitário, decalque das "ricas experiências" colhidas um pouco por toda a parte do chamado campo socialista. A política radical da Frelimo que na prática se traduziu na violação sistemática dos mais elementares direitos dos cidadãos; na repressão das vozes discordantes e da intelectualidade não comprometida; na instauração de um verdadeiro estado policial em que os cidadãos estavam privados de justiça e protecção legal; na perseguição religiosa e combate sem tréguas movido contra crentes cristãos e muçulmanos, animistas e até agnósticos, em que pontificava a "solução final" decretada contra as Testemunhas de Jeová; e na transformação da massa camponesa em mão-de-obra barata, arrancada das suas zonas tradicionais, e cujos dirigentes históricos foram despidos da sua autoridade secular.

 

Estas foram as causas fundamentais da revolta que André Matsangaice corporizou sob a forma da Resistência Nacional Moçambicana. A convicção dos que lutavam nas fileiras do movimento conferiu à sua acção as características de uma autêntica luta de libertação nacional. E foi por isso que a direcção da Renamo decidiu honrar a memória do seu fundador decretando a data da sua morte a 17 de Outubro como o Dia da Segunda Luta de Libertação Nacional.

 

O rápido alastramento da luta a todas as províncias acabaria por forçar o governo a recuar nas políticas que afincadamente vinha prosseguindo. Roma foi uma consequência da luta da Renamo O que lá se discutiu e negociou vinha há muito definido no programa político da Renamo, tendo o regime da Frelimo gradualmente revisto a sua política para acomodar os pontos defendidos pelos que se lhe opunham, tentando simultaneamente retirar à Renamo a base política em que sempre assentou a sua luta. A transformação da República Popular de Moçambique num Estado de direito democrático era um dos pontos do programa da Renamo. O estabelecimento de uma democracia multipartidária era outro princípio definido nesse mesmo programa, como também o era a abolição da polícia política, Snasp, de instituições e de práticas contrárias às relações entre cidadãos civilizados e imbuídos de uma dedicação à causa da justiça, como era o caso do famigerado Tribunal Militar Revolucionário, dos centros, ditos de reeducação, das prisões sem justa causa, das detenções prolongadas sem julgamento, e da repressão brutal e desumana perpetrada pelas chamadas forças de defesa e segurança.

 

 Mas tudo isto devia, de acordo com o mesmo programa da Renamo, ser alcançado num espírito de reconciliação. O regime da Frelimo nunca acreditou na reconciliação. Não "esquecer o passado" era a sua palavra de ordem. Por ter sido forçado a assinar um acordo de paz que incluía o princípio da reconciliação, o regime da Frelimo sente-se no direito de não estender uma mão reconciliatória, mesmo depois de o país ter iniciado a marcha em direcção ao multipartidarismo. O objectivo do regime é ter no parlamento 250 assentos preenchidos por membros de um único partido – o seu, o da auto-intitulada vanguarda, ontem revolucionária, hoje subserviente ao capital estrangeiro. Em cada pleito eleitoral vai paulatinamente alcançando esse grande objectivo num exercício que peca pela falta de transparência, pelas irregularidades constantes, em suma, pela fraude e vigarice descaradas, sendo o exemplo mais gritante o que pretendia alcançar na Beira onde o filho do reaccionário e do traidor "justamente" fuzilado não poderia nunca sentar-se no pelouro da cidade que o próprio regime considerava de "centro da reacção".

 

Mas tudo tem limites. O país não pode mergulhar num novo conflito cujos ingredientes têm estado a ser lançados desde Roma. O povo moçambicano pagou um preço muito caro pela conquista da democracia. Não podemos perdê-la. Há que consolidá-la a todo o custo, e evitar o derramamento de mais sangue e travar a intenção do regime de voltar a submeter-nos ao Estado totalitário de 1975. Os moçambicanos continuam a acreditar que a reconciliação é possível.

Fonte: Zambeze

 M I R A D O U R O - ACTUALIDADE NOTICIOSA - MOÇAMBIQUE - MMVII



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