O MIRADOURO pode revelar que"a pobreza é criminosa porque não permite as pessoas serem pessoas. É a negação mais cruel de todos nós seres humanos" – professor colombiano citado no Relatório de Desenvolvimento Humano 1997.
Quando a 2 de Fevereiro de 2005, Armando Guebuza tomou posse como presidente da República de Moçambique, no topo da sua agenda de governação o «Combate contra a pobreza absoluta» teve um especial destaque. Aliás, foram muitos os que aplaudiram o facto de o «combate contra a pobreza» ser prioridade da sua agenda de governação. Não era para menos, tanto mais que a «pobreza absoluta» é por demais visível em vários pontos de Moçambique. Mas o que se seguiu não foi nada merecedor de aplausos. O «combate contra a pobreza absoluta» tornou-se aos olhos de muitos um mero refrão sempre repetido pelos políticos afectos ao partido no poder, mesmo quando a ocasião não é a melhor e mesmo a total despropósito. As acções práticas no sentido de tornar efectivo esse combate eram muito poucas ou simplesmente insignificantes. Mais grave: a pobreza absoluta continuava a crescer paredes-meias com a riqueza absoluta que peca por ter muito poucos beneficiários. Uma elite político-económica, predadora e com vocação especial para exportar capitais, em particular para a vizinha África do Sul, tornou-se a face visível de que o «combate contra a pobreza absoluta» podia ser, apenas, mero discurso político.
Contudo, no ano passado, o governo do dia tomou a decisão de alocar aos distritos a quantia de "7 milhões de Meticais" pretexto de estes serem "pólos de desenvolvimento e locais onde se deve erradicar a pobreza". A medida foi entendida, por certos círculos, como um sinal claro de que Armando Guebuza e seus pares pretendiam passar das palavras a acção.. Contudo, o uso da referida quantia nem sempre obedeceu a critérios claros e, em certos casos, os beneficiários não foram os que de facto mais precisavam. Mas esse é outro debate que não tem lugar neste artigo.
Neste artigo pretende-se, acima de tudo, discutir a visão reducionista do governo do dia. Eu pessoalmente penso que os referidos valores que são alocados aos distritos deviam também contemplar os Municípios e por via destes os Distritos Municipais. Também são distritos do país.
Em tertúlias amigas tenho dito que, muito provavelmente, nas grandes cidades e, sobretudo nos bairros periféricos ou suburbanos destas, a pobreza assume proporções muito mais alarmantes do que nos distritos que, grosso modo, situam-se nas zonas rurais.
Nas grandes cidades, e com, o agravante de, todo e qualquer produto só poder ser adquirido a troco de dinheiro, a situação de pobreza ganha contornos mais alarmantes. É preciso lembrar que é nas grandes cidades que se situam os mais elevados índices de desemprego e sobretudo de indivíduos com rendimentos que mal servem para cobrir as despesas mínimas tal como alimentação. Sendo assim, não são poucos os que preferem o caminho do crime para puderem se sustentar e sustentarem os seus. Uma amiga pesquisadora confidenciou-me que um dia a trabalhar num bairro da capital, apercebeu-se da existência de inúmeras famílias que só tinham uma refeição por dia. Disse-me também ter-se apercebido da existência de crianças que iam à escola sem antes terem tido uma refeição sequer. Daqui pode-se inferir que a realidade da pobreza nas cidades é, em muitos casos, muito mais dura que em muitos distritos, onde a possibilidade de prática de actividade agrícola e pecuária, no mínimo, afasta o espectro de um dia sem uma refeição. Pelo que torna-se difícil compreender as razões do governo do dia não beneficiar os Municípios com os mesmos fundos que dota os distritos. Já que os Municípios, aos olhos do governo, não são «Pólos de Desenvolvimento», tais fundos poderiam, no mínimo, servir para alimentar programas de «combate a pobreza absoluta». Porque de outro modo, quando chegar ao fim do seu mandato o actual governo há-de concluir que combateu a pobreza de uns a esqueceu-se da pobreza de outros. E a estes outros optar pelo caminho da criminalidade e da prostituição que muitas vezes tem o beneplácito de todos os membros da família, é muito fácil.
PS: Este texto foi escrito a propósito do Dia Mundial da Erradicação da Pobreza que se assinalou ontem.
(Celso Manguana)
Fonte: CANAL DE MOÇAMBIQUE / M I R A D O U R O - ACTUALIDADE NOTICIOSA - MOÇAMBIQUE - MMVII
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