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VOA News: África

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Agradar a Graça Machel ou à Frelimo?

Caso Mbuzini
O MIRADOURO pode revelar que este ano, e à semelhança do anterior, o aniversário do acidente de aviação de Mbuzini tem como pano de fundo as expectativas criadas pelo governo da África do Sul quanto à reabertura do inquérito às circunstâncias da morte do primeiro chefe de Estado moçambicano, Samora Moisés Machel. Vai para dois anos que o Presidente Thabo Mbeki deu indicações nesse sentido ao discursar durante a sessão de abertura do Parlamento sul-africano, mas tarda em ser dada a "explicação satisfatória" por ele prometida. Tentativas deste jornal em obter o ponto da situação por parte do ministro da segurança sul-africano, Charles Nqakula – o mesmo que veio posteriormente a Moçambique declarar que seriam usados "os melhores recursos humanos e materiais disponíveis" para investigar o "hediondo crime"– tiveram como resposta o silêncio.

O aparente recuo da África do Sul em relação às promessas feitas em Fevereiro de 2006, que até deixaram comovida Graça Machel, que escutava no Parlamento o discurso do Presidente Mbeki, parece resultar do dilema criado pelo próprio governo sul-africano. Ao que parece, os sul-africanos não sabem exactamente a quem agradar, se à Sra. D. Graça Machel, dando consistência à tese por ela defendida de que gente graúda das Forças Armadas de Moçambique teria agido em conluio com o apartheid no "assassinato" do marido, e ao fazê-lo provocar cisões no seio do regime da una e indivisível Frelimo; ou se aos que beneficiaram directamente da morte de Machel e que hoje detêm o poder, tendo até conspirado na sombra para derrubar o finado, e a quem convém manter acesa a ficção do "crime de terrorismo de Estado" cometido em Mbuzini, fazendo assim com que as pessoas continuem na expectativa quanto a outras investigações, essas infindáveis, ritualmente prometidas em cada Outubro.

Ao enfileirar o cortejo dos que desde o princípio apostaram em manipular os factos sobre o desastre de Mbuzini para atingir fins políticos, a nova África do Sul acabou por se colocar na galeria das nações que se servem de desastres de aviação para fins propagandísticos ou para ocultar objectivos que se prendem com ambições hegemónicas e de domínio estratégico. Os exemplos são vários, e por ordem cronológica poderiam citar-se alguns dos casos mais recentes para melhor compreender-se como foi possível ludibriar os moçambicanos, e não só, a respeito de Mbuzini.

O caso do Boeing-747 das Linhas Áreas Sul-Coreanas, abatido por um caça soviético na noite de 30 de Agosto de 1983, ao penetrar o espaço aéreo da União Soviética, é um deles. Os Estados Unidos, não obstante os factos apurados pelos seus serviços secretos apontarem para erro da força aérea soviética, que tomou o Boeing-747 sul-coreano como sendo um avião de espionagem norte-americano RC-135, por sinal de configuração propensa a confusões com um B-747, especialmente em voos nocturnos, e que sobrevoava a zona na mesma altura do desastre, rapidamente mobilizaram recursos e meios para montar uma concertada campanha de propagada contra Moscovo, agitando e explorando a comoção, a dor e o sofrimento dos familiares das vítimas. A maliciosa campanha de propaganda enquadrava-se naquilo que o então secretário de Estado norte-americano, George Shultz, em nota confidencial endereçada ao Presidente Reagan, dizia ser "um esforço massivo de relações públicas para explorar o incidente." Washington não olhou a meios para apresentar o abate da aeronave civil sul-coreana como um acto deliberado, e para tal deu instruções à representação norte-americana no Conselho de Segurança das Nações Unidas, para reproduzir uma versão adulterada da gravação da conversa entre o piloto do caça e a torre de controlo soviética, para além da transcrição de excertos da gravação ter sido traduzida do russo para o inglês de forma deliberadamente atabalhoada de modo a servir os objectivos da sua propaganda, conforme viria a denunciar Alvin Snyder, na altura director da divisão de televisão e cinema da Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA), num livro publicado anos mais tarde sob o sugestivo título, "Guerreiros da Desinformação".

Em 1988, como que o feitiço a virar-se contra o feiticeiro, os Estados Unidos viriam a envolver-se num incidente em tudo semelhante ao do Boeing-747 sul-coreano. Com efeito, um Airbus das Linhas Áreas Iranianas, com 290 pessoas a bordo, era abatido em pleno voo pelo vaso Vincenness da marinha de guerra dos Estados Unidos, desdobrado no Golfo Pérsico. A versão oficial norte-americana foi a de que o Vincenness julgou tratar-se de um avião da força aérea iraniana e que, voando no espaço aéreo internacional, dirigia-se em direcção àquele vaso, alegadamente para lançar um ataque. Diz a mesma versão que o vaso de guerra repetidas vezes havia avisado o Airbus das Linhas Áreas Iranianas de que estava a aproximar-se perigosamente do Vincennes, mas que a tripulação do avião simplesmente ignorara os avisos.

Os factos apurados pela ICAO, numa investigação paralela à dos Estados Unidos, viriam a revelar algo bem diferente. Na altura do abate da aeronave civil iraniana, o Vincennes não se encontrava em águas internacionais, mas sim 4 milhas náuticas dentro das águas territoriais do Irão, em violação, portanto, das mesmas. O Airbus iraniano, que acabara de descolar do aeroporto de Teerão, não se estava a aproximar do Vincennes, nem tão pouco se encontrava em posição de ataque, voando, isso sim, em subida gradual. E diz o mesmo relatório da ICAO que o Vincenness não havia estabelecido positivamente a identidade do Airbus iraniano dado que não tinha o rádio-receptor de bordo sintonizado na frequência em que transmitem os aviões de linhas áreas comerciais.

Em 1994, um outro avião Airbus, recentemente adquirido pela Aeroflot no âmbito da reestruturação e modernização das linhas aéreas russas, despenhou-se quando seguia num voo de Moscovo para o Japão, matando todos os seus 75 ocupantes. Nas semanas que se seguiram ao desastre, o governo russo manteve um silêncio comprometedor, não dando a conhecer aos familiares das vítimas o que teria na realidade acontecido no fatídico voo de 23 de Março daquele ano. Pressionado pela fábrica Airbus, cuja reputação perante os seus clientes e passageiros em geral estava a ser posta em causa, o governo russo viu-se forçado a admitir o inacreditável: um garoto com apenas 15 anos de idade encontrava-se aos comandos da aeronave, tendo perdido o controlo do voo, fazendo com que o avião voasse a pique, despenhando-se pouco depois. A gravação da conversa mantida na cabine de comando revelou que o comandante havia chamado o filha e a filha, que seguiam a bordo, para lhes mostrar quão sofisticado e moderno era o Airbus, e às tantas convida o jovem a sentar-se aos comandos do avião. Apesar dos factos serem claros, as autoridades russas tentariam descartar-se, culpando a fábrica do Airbus pelo sucedido, recorrendo a malabarismos técnicos relacionados com o sistema de piloto-automático da aeronave sinistrada.

Estes exemplos são demonstrativos da facilidade com que os detentores do poder político distorcem a realidade, ocultam factos e manipulam as consciências para, como dizia Shultz, "explorar" cada caso específico. Foi assim com o caso Mbuzini desde a primeira hora. Por camaradagem indefectível, os detentores do poder em Moçambique começaram por ocultar uma testemunha-chave, "evacuando-a", nas palavras do ministro da segurança em exercício na altura, para Moscovo, bem longe das comissões de inquérito, para assim poderem melhor ilibar a tripulação do Tupolev presidencial, não obstante o facto do parecer de técnicos de aviação moçambicanos, enviado à comissão de inquérito sul-africana que investigou o acidente de Mbuzini, ter corroborado todas as conclusões a que ela chegara, incluindo as apontadas como tendo sido a causa do acidente.

Procedimentos como os acabados de referir não se compadecessem com os valores de um Estado de direito democrático. As jovens democracias de Moçambique e África do Sul, que se afirmam apostadas na consolidação da nova ordem política alcançada à custa de enormes sacrifícios humanos e materiais, não podem, por imperativos morais e cívicos, seguir o modelo dos que apenas têm em conta a defesa de estratégias e que agem somente em função de interesses que não são os nossos, e que não hesitam em explorar tragédias em benefício próprio. Os moçambicanos, como todos os povos, merecem ser tratados com maior respeito por quem está nos mais altos postos da Nação. E cabe a estes trazer a limpo o que há muito foi apurado sobre a tragédia de Mbuzini em vez de manterem os cidadãos deste país na eterna ignorância, pondo assim termo, de uma vez por todas, ao descarado aproveitamento político de um acidente de aviação.
Fonte: ZAMBEZE / M I R A D O U R O - ACTUALIDADE NOTICIOSA - MOÇAMBIQUE - MMVII

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