Não obstante a posição assumida pelos chefes de Estado da SADC na recente cimeira de Lusaka relativamente à iniciativa norte-americana, conhecida por AFRICOM (Comando Africano), são várias as fissuras no seio dos países membros da Comunidade de Desenvolvimento da África do Austral que apontam para a impossibilidade das recomendações do Comité de Defesa e Segurança Interestadual da SADC virem a singrar. Na reunião de Dar es Salaam, que antecedeu a cimeira, aquele comité decidiu que "os países irmãos da região não deviam concordar em albergar as forças do AFRICOM." A própria África do Sul, que, através do seu ministro da defesa, Mosiuoa Lekota, se destacou pela oposição à presença militar norte-americana na região da SADC, conta-se entre os países membros desta organização que têm colaborado activamente com o Estados Unidos no domínio militar. O Botswana é outro país membro da SADC apontado como tendo concedido facilidades militares aos Estados Unidos. Este país terá inclusivamente financiado a remodelação e expansão de uma base aérea no Botswana. Os governos dos dois países têm-se escusado a dar pormenores sobre o uso desta base por forças norte-americanas.. No entanto, são conhecidos alguns dados sobre as relações no foro militar entre o Botswana e os Estados Unidos. Em 2001, os Estados Unidos prestaram auxílio financeiro ao Botswana para a compra de material bélico estimado mil milhões de dólares a taxas de juros bonificadas. Estima-se que em 2002 e 2003 esse valor se manteve. A venda directa de armamento militar por parte do governo norte-americano ao Botswana situou-se em 1.050 milhões de dólares em 2001. Estimativas para o ano seguinte, apontavam para um decréscimo, situando-se as vendas em 650 milhões, mas em 2003 subindo para $844 milhões. Relativamente ao programa de formação e treino militar para oficiais dos vários ramos das forças armadas do Botswana, este país da SADC beneficiou de ajuda dos Estados Unidos avaliada em 663 milhões de dólares em 2001, estimando-se que no ano seguinte se tenha verificado um ligeiro decréscimo ($580 milhões), mas subindo em 2003 para $600 milhões de dólares. Sabe-se que os comandos negros norte-americanos, incumbidos de operar os mísseis Stinger que a Administração Reagan havia concedido à UNITA depois da revogação da Emenda Clark pelo Congresso dos Estados Unidos em meados de 1985, entravam e saíam do quartel-general do movimento rebelde angolano na Jamba em voos clandestinos provenientes do Botswana. A Namíbia é outro país da SADC que é apontado como estando a colaborar com os planos militares dos Estados Unidos e que, tal como o Botswana, seria receptivo à iniciativa AFRICOM. O governo namibiano, à semelhança de outros Estados africanos, permite o uso de bases militares por parte dos Estados Unidos, tal como ficou comprovado em Setembro de 1997, quando um avião militar norte-americano, Starlifter C-141, pertencente ao Comando Aéreo Móvel dos Estados Unidos, colidiu com Tu-154, pertencente à Alemanha, quando se dirigia para base área norte-americana de Ascensão pouco depois de ter descolado do aeroporto namibiano de Windhoek. Os nove membros da tripulação do C-141 assim como as 24 pessoas a bordo do Tupolev-154 perderam todos eles a vida, tendo as autoridades norte-americanas culpado a aeronave alemã por se "encontrar a voar a um nível de altitude errado." As investigações da colisão entre as duas aeronaves ao largo da costa namibiana contaram com a participação da África do Sul. Um Boeing-707 da Força Aérea Sul-Africana, dotado de equipamento de telecomunicações militares, fez parte dos esforços de localização dos destroços do Starlifter C-141, utilizando para o efeito o aeroporto de Windhoek como base das operações, tal como o fizeram dois MC-130 e um igual número de P-3C equipados com sistema de raios infravermelhos, ambos pertencentes à Força Aérea dos Estados Unidos. Para além do seu envolvimento nessas operações, a África do Sul viria a albergar cerca de quatro anos mais tarde, isto é em 2001, 200 membros da Força Aérea dos Estados Unidos na Base Aérea de Waterkloof, em Pretória, onde participaram nos primeiros exercícios militares bilaterais pós-apartheid. Em relação a Moçambique, ao longo dos anos 80 os Estados Unidos manifestaram vontade de prestar auxílio militar ao governo da Frelimo na luta contra a guerrilha da Renamo. Não tivesse sido o voto desfavorável do Congresso, a Administração Reagan preparava-se nos princípios de 1985 para conceder formação militar às FAM-FPLM avaliada em $3,2 milhões, marcando assim o início de um projecto que visava sufocar a revolta interna e consolidar o regime de ditadura. Não obstante a proibição da cooperação militar entre os Estados Unidos e o governo da Frelimo, imposta pelo Congresso norte-americano, o aparelho militar daquele país apoiou as FPLM-FAM durante a guerra civil moçambicana. Aviões de reconhecimento norte-americanos provenientes da base militar dos Estados Unidos em Diego Garcia, no Oceano Índico, cruzaram por diversas vezes o espaço aéreo da região da SADC nos meses que antecederam o assalto lançado por comandos zimbabweanos contra os complexos militares da Renamo em Muxamba e Gorongosa, culminando na captura da base central do movimento em Casa Banana, em Setembro de 1985. Na altura, o vice-subsecretário de Estado norte-americano para os assuntos africanos, Frank Wisner, mostrava-se confiante numa derrota a breve trecho da guerrilha moçambicana, cuja direcção, segundo as suas palavras, "encontra-se encostada à parede". O governo moçambicano é referido como se tendo mostrado receptivo à utilização das instalações aéreas e navais de Nacala por parte dos Estados Unidos, sendo o «lobby islâmico» associado à Frelimo o principal obstáculo ainda por vencer. Todavia, as autoridades moçambicanas têm vindo a conceder facilidades ao governo dos Estados Unidos no chamado combate ao "terrorismo internacional", permitindo que esse país, em colaboração com a África do Sul, proceda à detecção de grupos islâmicos considerados de "extremistas". A base de Diego Garcia foi construída pela empresa norte-americana Halliburton, tendo entrado em actividade plena em Março de 1973. Toda a zona do complexo de Diego Garcia foi cedido pela Inglaterra aos Estados Unidos depois dos seus habitantes terem sido forçados a abandonar as suas terras de origem naquilo que viria a ser considerado pela mais alta instância jurídica britânica de "crime contra a humanidade". Perante a indiferença dos Estados Unidos e a cumplicidade de sucessivos governos britânicos, as Maurícias, um outro Estado membro da SADC, desde há muito que reclamam a soberania sobre o arquipélago em que se localiza Diego Garcia. Foi a partir de Diego Garcia que os B-1, B-2 e B-52 da Força Aérea dos Estados Unidos efectuaram bombardeamentos de grande envergadura sobre Bagdade em Março de 2003, causando centenas de mortes entre a população civil iraquiana para além da destruição de infra-estruturas socioeconómicas. Estas, entretanto, encontram-se em fase de "reconstrução", tendo o respectivo contrato sido adjudicado à já citada Halliburton. |
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