SR. DIRECTOR!
Para preencher as muitas horas de ócio, volto-me para o televisor que nos canais habituais de língua portuguesa, que custam um balúrdio, onde aparece quase só o Mundial de 2010 e a apetitosa culinária portuguesa de farta-brutos, que, seguindo-a, a saúde vem acusá-la mais tarde.
Na imprensa moçambicana deparo com quase todos os jornais a mobilizar técnicos e não técnicos para dizerem se o "Rio Zambeze é navegável ou não".
Não sendo eu técnico tenho, contudo, a dizer que a Missão do Fomento e Povoamento do Zambeze, que veio de Lisboa directamente para Tete e aqui permaneceu longos anos em diversificados e aprofundados estudos que culminaram com a construção de Cahora Bassa. Mais tarde, a missão foi extinta e constituído o GPZ- Gabinete do Plano do Zambeze, mas nessa altura para os dirigentes se fixarem em Lisboa.
Os exaustivos e profundos estudos sobre o Zambeze, isto é, sobre a navegabilidade do rio, transmitiram-nos por "herança" a Hidrotécnica Portuguesa, empresa privada com sede em Lisboa.
É pois de crer que a Hidrotécnica Portuguesa esteja em condições de proporcionar a colaboração que o país procura.
No tempo colonial dos estudos das barragens, tornou-se público que o Zambeze não era comercialmente navegável.
Nessa altura, a Companhia Carbonífera de Moçambique, sucessora da Societé Miniera, Carbomoc depois da independência, estava em negociações com o Japão para o fornecimento de 10 milhões de toneladas de carvão por ano, que seria transportado para o Porto da Beira onde seria construído um cais. Seria construída também mais uma via férrea, ao lado da que existia e ainda existe, mas as duas electrificadas com energia então esperada de Cahora Bassa.
Um comboio, com locomotiva a carvão, carrega 1.000 toneladas de cada vez e apenas ocupa um maquinista, um fogueiro e um condutor.
O rio Zambeze, que foi navegável durante centenas de anos no tempo colonial, mas antes da linha férrea que pôs fim a navegação do rio, usava barcos de fundo chato, tipo Mississipi, com uma lancha de 100 toneladas de cada lado, e uma caldeira a vapor, de lenha, demorava 18 dias de Chinde a Tete e apenas 4 dias de Tete a Chinde.
Mas a navegação só era possível de dia e só durante seis meses no ano, porque os barcos, mesmo de fundo chato, não conseguiam navegar na época seca.
Não havia e nunca houve canais dragados e por isso, os pilotos, moçambicanos experientes, com os olhos de lince, seguiam com muita atenção os canais naturais.
Talvez agora, com motores a gasóleo ou caldeiras a carvão, a potência em futuros barcos seja maior, mas, pergunta-se: Quanto será o custo e a manutenção de canais permanentes de navegação? Quanto custará o porto oceânico na foz do rio a construir sobre biliões de toneladas de matope?
Se os exportadores de carvão vierem a optar pelo Zambeze, o país fica sem rio, porque não será possível desviar a água para futuras e tão necessárias irrigações, nem fazer qualquer outro aproveitamento com as permanentes brigadas de dragagem na sua actividade.
O que o país não deverá esquecer
Quando a Missão de Fomento e Povoamento do Zambeze, ao dar públicas contas dos estudos que ia fazendo, anunciou o estudo de Cahora Bassa, logo os retrógrados políticos portugueses perguntaram, de modo crítico, para quê uma barragem com essa grandeza se Moçambique não gasta energia? Tendo-lhes sido respondido que a finalidade principal não era a energia mas a irrigação, pois Moçambique tem imensas extensões de terra arável, mas sem água, e tem população que a pode agricultar com sucesso.
A barragem foi feita, veio a independência, passaram já décadas e não se fala sequer em irrigações com águas do Zambeze, que seria uma eterna riqueza para os moçambicanos pois o rio não deixará de correr e a desmedida aglomeração populacional das cidades, que se traduz no desemprego e criminalidade, se as extensões agricultáveis tivessem água, mudaria de vida.
Não era necessário vender energia hídrica ao estrangeiro, poderíamos fornecer energia de centrais térmicas a funcionar com carvão de queima em vez de o exportar.
Sem terras irrigadas, aos que se amontoam nas cidades falta coragem para ir para o campo sem chuvas.
- Fernando Camunto
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(MiradourOnline)
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