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VOA News: África

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Fraquezas de Guebuza ou Estado capturado ?

Editorial

Maputo (Canalmoz/Canal de Moçambique) - A semana das celebrações do 35.º aniversário da Independência Nacional foi marcada por episódios dignos de registo: a presença de Momad Bachir Sulemane (MBS) em três actos centrais das cerimónias oficiais, respectivamente na Praça dos Heróis, na Praça da Independência e no banquete de Estado na Ponta Vermelha, em Maputo; a exclusão pelo Protocolo de Estado de quem tem precedência constitucional em cerimónias de Estado; o alinhamento político da Banda das Forças Armadas ao entoar canções partidárias; e a entrevista do presidente da República à TVM, a televisão pública, em que fala da sua "sucessão".
O caso do cidadão moçambicano Bachir ganha relevância por a sua presença em cerimónias de Estado ao mais alto nível poder ser entendida como a posição oficial assumida pelo regime da Frelimo e, mais concretamente, do seu líder, Armando Geubuza – que é, simultaneamente, o presidente da República de Moçambique – sobre as sanções impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pelo Departamento do Tesouro americano ao patrão do MBS. Bachir está na lista americana dos principais "Barões da Droga" no mundo, considerado ainda como envolvido em "lavagem de dinheiro", mas isso tudo não é suficiente para ele não ser hóspede de Honra na mais prestigiada residência institucional da República de Moçambique – a Ponta Vermelha. É francamente digno de registo e a isso nos quisemos associar para que não passe despercebido. Agora está tudo mais claro. Até aqui não se conhecia que tratamento Momad Bachir Sulemane iria passar a ter dos seus "camaradas".
Por outro lado registámos também o facto de nas cerimónias centrais das celebrações do 35.º aniversário da Independência Nacional, o Protocolo de Estado ter resolvido, a seu bel prazer (ou "com ordens superiores"), convidar o presidente do Partido Trabalhista, Miguel Mabote, para falar em nome da Oposição. Não estava previsto no Programa Oficial um representante da Oposição falar na Praça da Independência nas cerimónias centrais da efeméride. Mabote não recebeu procuração da oposição para falar em seu nome. Ele não é sequer membro de partidos da oposição com representação parlamentar. Não estava presente qualquer representante oficial da Renamo, o maior partido da oposição parlamentar, mas estava o SG do MDM que é deputado da Assembleia da República. Estava presente o chefe da Bancada do MDM no parlamento, mas assistiu-se ao espectáculo caricato do Protocolo de Estado convidar quem a Frelimo entende que é da "oposição" para se dirigir aos presentes, e não a oposição sufragada e eleita. Fica aqui também o registo da saúde que respira esta dita democracia que vamos tendo, ou não tendo, para sermos mais claros.
Raul Domingos, destacado antigo combatente da Renamo contra o regime totalitário que suscitou a guerra civil, e agora presidente do PDD, um partido sem representação parlamentar, manifestou-nos pessoalmente a sua preocupação pelo facto do Protocolo de Estado andar a reboque da Frelimo "a dar voz àquilo que ela própria entende que é oposição". "Antes de qualquer outro partido da oposição estão os que têm representação parlamentar". "Têm mandato, mas o Protocolo de Estado ignorou-os". "Agora são eles que decidem quem é oposição. É a continuação do que se passou nas últimas eleições. Eles é que decidiram quem podia concorrer e aonde. É assim. O nosso chefe de Estado agora anda a escolher ele próprio quem é oposição. Escolhe ele próprio quem é oposição para ouvir elogios a si próprio. Querem decidir eles próprios quem é oposição, sem respeitarem a realidade", conclui Raul Domingos, político que negociou em nome da Renamo, em Roma, o Acordo Geral de Paz, com Armando Guebuza.
Já o presidente do segundo maior partido da Oposição, dos dois únicos partidos da oposição que lograram chegar ao Parlamento (Renamo e MDM), Daviz Simango (também presidente do Município da Beira), acusa a Frelimo de estar a partidarizar o Estado e, neste caso, "mais grave: as Forças Armadas".
"É inadmissível que a Banda Militar, na Beira, depois da deposição de flores na Praça dos Heróis tenha-se posto a tocar 'Viva a Frelimo'", disse-nos Daviz indignado. Acrescentou que "é também inadmissível que o Protocolo de Estado continue a permitir que certas organizações da Frelimo, OMM, OJM, ACCLIN, OCM, falem em cerimónias oficiais de Estado e outras sejam impedidas de falar". Insurgiu-se ainda contra o facto de só grupos culturais que exortam a Frelimo poderem apresentar-se em cerimónias de Estado.
Perante isso tudo Daviz Simango pergunta: "que Estado é este que não trata todos os cidadãos da mesma maneira?"
Chama, entretanto, à atenção para os artigos 3, 35 e 39 da Constituição.
O Artigo 3 fala do Estado de Direito Democrático. Refere que "a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem". Não está a ser respeitado.
O Artigo 35, estabelece o Princípio da universalidade e igualdade: "Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política". Não está a ser respeitado.
O Artigo 39, sobre os Actos contrários à unidade nacional, refere que quem os infringe deve ser punido. Mas quem age? Por onde andam as instituições?, pergunta Daviz Simango. O artigo 39 é bem explicito: "Todos os actos visando atentar contra a unidade nacional, prejudicar a harmonia
social, criar divisionismo, situações de privilégio ou discriminação com base na cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, condição física ou mental, estado civil dos pais, profissão ou opção política, são punidos nos termos da lei." Esta a ser violado. Ninguém age.
"Temos de seguir rigorosamente a Constituição" defende o líder do MDM.
Que país é este? Acrescentaríamos nós. Que democracia se pode dizer que estamos a construir perante este factos de autêntica viciação do que a mais sagrada das leis do País, a Constituição, estabelece?
E é neste quadro que entra a sucessão de Armando Guebuza na Frelimo, como se isso fosse bastante para assegurar a sucessão na Presidência da República.
No Partido Frelimo teme-se a sucessão na sua própria presidência e pretende-se a todo custo confundir esse facto com a sucessão na Presidência da República para, consequentemente, se confundir os cidadãos.
Como não podia deixar de ser, nisso embarcou a TVM, a televisão pública, que foi entrevistar o actual chefe de Estado, em último mandato constitucional, em plenas celebrações do 35.º aniversário da Independência Nacional, e aproveitou para lhe falar de "sucessão" de uma forma em que, claramente, ficaram algumas perguntas pertinentes por fazer. Foi tudo deixado como se o ilustre cidadão Armando Guebuza fizesse um grande favor ao País por levar até às últimas consequências o que a Constituição prescreve como uma das cláusulas mais emblemáticas dos sistemas democráticos: a da limitação de mandatos presidenciais.
Vem expresso na Constituição que "o Presidente da República é o Chefe do Estado", "simboliza a unidade nacional", "representa a Nação no plano interno e internacional e zela pelo funcionamento correcto dos órgãos do Estado" e "é o garante da Constituição".
Como se pode ser o garante da Constituição sem se tratar todos os cidadãos por igual e se permite que se use o Estado para descriminar políticos, jornalistas, artistas e muitos outros cidadãos que não são nem querem ser do partido no poder, ou simplesmente nem querem ter filiação partidária?
Impõe-se também que aqui deixemos registado, perante este role de surpresas que os últimos dias nos reservaram, que o Artigo 147, sobre a
elegibilidade do PR, estabelece que o Presidente da República é eleito e "só pode ser reeleito uma vez". Onde quer chegar a TVM, a televisão pública, quando pergunta a Armando Guebuza se ele vai mudar a Constituição para continuar na Presidência da República?
Que legitimidade pode ter, seja quem for, para alterar aspectos constitucionais sagrados?
Será que vamos andar a mudar de Constituição sempre que alguém se lembre de pensar que para além dele e dos seus acólitos não há mais Moçambique?
Ficam aqui todos estes registos e apreensões. Esperamos, sinceramente, que não estejam a levar Moçambique para o abismo. Há seguramente mais Moçambique para além de Guebuza e da Frelimo.

(Canalmoz/Canal de Moçambique)


2010-07-02 07:30:00

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(MiradourOnline)

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