Nota verde não dá tréguas ao Metical
-Efeito MBS, G19, congelamentos dos preços dos combustíveis e exportações em crise entre as causas da depreciação do Metical
Por Francisco Carmona
O Metical continua a perder terreno face ao dólar norte-americano, com a chamada nota verde a ameaçar romper a barreira psicológica dos 40 meticais. Efeito Momade Bachir Sulemane (MBS), crise entre o Governo e doadores que atingiu níveis de crispação nos princípios do ano, o congelamento dos preços dos combustíveis e a retenção de divisas pelos exportadores são apontados por alguns analistas como as causas imediatas da actual situação da moeda moçambicana.
Numa atitude diligente para não colocar o mercado em pânico, o Banco de Moçambique (BM) tem por multiplicadas vezes afirmado que o Metical está a ter o andamento que é necessário, tendo em conta a procura e a oferta no mercado, assim como a necessidade de promoção das exportações. Porém uma fonte do BM admitiu que a instituição está preocupada com o nível de stress observado nas taxas de câmbio, frisando, no entanto, que tal é um indicativo de alguma perturbação que o mercado está a revelar. O optimismo do banco central é contrariado pelos boletins especializados dos bancos na praça que consideram que o mercado está curto em divisas e na moeda local.
Desde o início deste ano a moeda moçambicana tem estado a desvalorizar-se face às principais divisas movimentadas no mercado nacional. Na primeira quinzena de Janeiro, a cotação do dólar no Mercado Cambial Interbancário (MCI) foi de 27.52 meticais, o que correspondia a uma depreciação do Metical de 0.04% em relação à taxa que vigorou no fecho de Dezembro e uma depreciação anual de 8.47%.
Na actual conjuntura, a inflação acumulada já bateu nos 15% e o aumento de três pontos da taxa de intermediação do banco central fez a banca comercial repassar para os clientes o aumento dos juros nos créditos em execução.
Em meticais, é difícil encontrarem-se neste momento taxas abaixo dos 16%.
Depois de abrir a semana a disparar, o dólar estava a ser negociado a 38 meticais a meio da semana nos bancos comerciais e casas de câmbio e com tendência a subir. No BM estava a ser transaccionado a 35 meticais. As casas de câmbio anunciavam na tabuleta 36.92 meticais, mas diziam aos clientes não terem disponibilidade. Pela porta de trás a venda subiu aos 38 meticais. O rand, por seu turno passava na terça-feira a barreira psicológica dos cinco meticais.
Nos primeiros seis meses deste ano, o BM vendeu no MCI cerca de 425 milhões de dólares, uma média de USD70.8 milhões/mês.
Nos primeiros 15 dias deste mês, dados do BM indicam que a cotação do USD no mercado cambial foi de 34.69 meticais, o que corresponde a uma perda nominal do Metical de 0.5%, comparativamente à taxa de câmbio que vigorou no fecho da quinzena anterior. Em termos acumulados e anuais o Metical posicionou-se no terreno de depreciação, em 26.1% e 30.0%, respectivamente.
O spread entre as taxas de câmbio do mercado cambial interbancário e a taxa média dos bancos comerciais situou-se em 3.2% no dia 15 de Julho de 2010, após 2.1% no fim de Junho. Esta tendência foi igualmente assumida pelo diferencial entre as taxas praticadas pelas casas de câmbio e os bancos comerciais que incrementou de 1.7% para 2.0% no período em referência.
Alguns economistas entendem que este aumento nos diferenciais das taxas de câmbio mostra em ambos os casos um excesso da procura vis-a-vis a oferta. Procura maior por parte do público e sector empresarial, que se repercute em taxas mais elevadas quer pelas casas de câmbio em relação a dos bancos comerciais), assim como pelos bancos comerciais em relação a do Banco Central.
Afirmam que por detrás desta situação pode estar o clima gerado pelo anúncio das modificações em relação à legislação cambial, sugerindo uma redução das operações possíveis pelas casas de câmbio, em quantidade e em tipo de transacções, provocando no futuro uma redução da lucratividade neste sector e consequente desincentivo a este mercado de câmbios no país.
Fazem notar que isto estaria consistente com o ponto de vista de que há um excesso de casas de câmbios para o reduzido tamanho do mercado e economia do país, por trás do que poderiam estar operações de branqueamento e fuga de capitais.
"Dada a volatilidade do valor do Metical, continuam a ser preferidos por muitos fornecedores de bens e serviços, incluindo salários do pessoal consular e diplomático, dos técnicos estrangeiros e até de nacionais em ONG, s, os pagamentos em dólares, com vista a diminuir os riscos de erosão do valor do Metical. Por esse mesmo motivo, há um açambarcamento constante de dólares por parte de importadores e outros, que temem que na próxima vez que queiram comprar moeda externa para transacções ou transferências, esteja mais caro", frisou um economista que não quis ser citado.
Recentemente, o Banco Central declarou que não havia por enquanto condições de impor sanções e obrigatoriedade de uso do Metical em várias áreas.
G19 e MBS
Lembre-se que o Governo e os doadores entraram numa rota de colisão nos finais de 2009, num conflito que atingiu níveis de crispação. A crise entre os doadores que mais financiam directamente o Orçamento do Estado e o Governo resultou da exclusão do MDM da corrida eleitoral, em 9 dos 11 círculos eleitorais provinciais onde tentara concorrer nas eleições legislativas de 2009, e da exacerbada partidarização do aparelho do Estado pelo partido Frelimo. O grau de agressividade dos doadores subiu quando o governo moçambicano decidiu ignorar os apelos para que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tivesse uma atitude mais inclusiva em relação aos partidos da oposição que disputaram as eleições gerais de Outubro de 2009, posição seguida também pelo Conselho Constitucional. Os doadores esticaram a corda, num diferendo que, segundo um reputado economista da praça que já ocupou altos cargos na governação de Samora Machel, podia ter sido rapidamente ultrapassado. Para este economista, o congelamento dos fundos por parte dos doadores trouxe grandes problemas nas Reservas Internacionais Líquidas do BM, que não tiveram flexibilidade suficiente para responder à demanda. O mesmo economista não põe de parte o efeito MBS na actual situação do Metical.
Recorde-se que a administração Obama considerou, a 2 de Junho deste ano, o empresário Momade Bachir Sulemane como barão de droga, situação que culminou com o encerramento das agências de três bancos da praça instalados naquele local.
"O efeito MBS pode ter provocado escassez de dólares no mercado", anotou. Os conhecedores consideram que há alguma retracção e cautela no tráfico de drogas actualmente, secando as fontes de intermediação que "despejavam" os dólares para o mercado local.
Num clima psicológico negativo, com o baixo performance de alguns produtos nos mercados internacionais, os exportadores, numa medida de prudência estão a aforrar em divisas, constituindo-se informalmente nos "leiloeiros" de moeda externa.
Estamos a jusante
Para Lázaro Macamo, presidente da Associação das Casas de Câmbios, o problema da galopante desvalorização do Metical, face ao dólar, não tem a ver com as casas de câmbios, tendo em conta que estas têm como base a taxa praticada pelos bancos comerciais.
"Nós estamos a jusante, talvez os bancos comerciais e o BM podem explicar com alguma autoridade este fenómeno", frisou.
O BM, CTA e os operadores cambiais têm estado a debater um novo regime cambial que, caso seja aprovado nos termos em que está, a operação das casas de câmbios vai circunscrever-se à compra e venda de moeda estrangeira a pessoas singulares, não devendo a transacção ultrapassar os USD 5mil. Para alguns analistas, esta situação que poderá levar muitas casas de câmbios à falência, está a enervar este segmento de mercado, situação que está a resvalar para o encarecimento do dólar. Mas Macamo entende que não há uma relação de causa-efeito. Ele acha que o problema tem a ver com a oferta que não consegue responder à demanda.
Lavagem de dinheiro
Também os EUA acusaram em relatório que as casas de câmbios em Moçambique têm sido usadas para a lavagem de dinheiro. Igualmente, os EUA afirmam que o país tem demasiadas casas de câmbios que não justificam o tamanho da sua economia. Usando canais diplomáticos, a administração Obama tem afirmado que gostaria que Maputo tivesse "pulso mais forte" contra a lavagem de dinheiro. Macamo nega que Moçambique tenha muitas casas de câmbios e que estejam a ser usadas para lavagem de dinheiro.
"Não se pode falar de muitas casas de câmbios. O que acontece é que as casas de câmbios estão concentradas, ou seja, próximas umas das outras". Macamo fez notar que o país possui 17 casas de câmbios, dos quais 14 estão em Maputo, duas em Nampula e uma em Quelimane.
"Como vês, o que há é apenas concentração. É uma desculpa que as pessoas arranjam para acabar com as casas de câmbios", frisou.
Nos princípios deste mês, pelo menos nove casas de câmbio foram encerradas pelo Departamento de Supervisão Bancária do BM durante a inspecção regular que tem feito, mas na ocasião, o porta-voz da instituição, Waldemar de Sousa, evitou comentar se a medida tinha a ver com as acusações recentes da administração Obama segundo as quais o país tem sido usado para a lavagem de dinheiro. A supervisão bancária também mostrou particular atenção às transacções de um cambista baseado na cidade da Beira, quando nos meios da magistratura pública se aventava a possibilidade de um novo "barão da droga" ser precisamente nomeado na Beira.
A situação não é dramática, é reflexo da economia real
Para o economista, Luís Magaço, a desvalorização do Metical tem a ver com o facto de durante muito tempo o Governo ter congelado os preços dos combustíveis.
Recorde-se que entre Outubro de 2008 e Março de 2009, o Governo reduziu cinco vezes os preços dos combustíveis, apesar da subida do preço de baril de petróleo no mercado internacional. Os preços de gasolina e diesel em Moçambique eram considerados os mais baixos da região. Por exemplo, muitos sul-africanos chegam a atravessar a fronteira para virem encher os seus depósitos de combustíveis em Moçambique.
Após várias pressões das gasolineiras, o Governo abriu os cordões à bolsa e enveredou por uma política de subsídios para compensar as altas perdas que os operadores da área estavam a registar.
"O combustível chegou a ser vendido a USD1.4/litro na vizinha África do Sul e em Moçambique estava USD0.65. Consequentemente o Estado moçambicano subsidiou o combustível durante perto de cinco meses, mas era insustentável. Tudo que é um subsídio só vale se for a curto prazo", observou Magaço.
Magaço lembrou que com a política de subsídio o Estado gastou cerca de USD260 milhões, dinheiro que, segundo o economista, Moçambique não tem.
"Quando se tornou insustentável manter este nível de subsídios os preços começaram a subir para o nível normal. Nós anunciámos no ano passado que a inflação foi de 3.5%, mas este número não reflectia a economia real. Na economia real a inflação teria que estar nos entre os 8 e 10%. Só este ano estamos com uma inflação de 14% (15%, segundo o SAVANA). Isto é uma resposta ao facto de termos subsidiado imenso os preços de combustíveis", repisou.
A uma pergunta sobre se o BM não podia injectar mais dólares no mercado para travar o ímpeto do dólar, Magaço foi peremptório: "o banco central não possui dinheiro para fazer um sustento a longo prazo. O BM tentou gerir a situação nos meses de Fevereiro e Março, injectando muitos dólares para travar a derrapagem do Metical. Mas não é sustentável a longo prazo. A solução é exportar mais. Não era possível no ano passado termos aquele nível de inflação, com exportação de alumínio e energia a decrescerem e o combustível a subir no exterior, a situação actual da economia para mim não é dramática, reflecte a economia real", frisou Magaço.
Para alinhar numa política de subsídios, o Governo disse na altura que a medida visava proteger as camadas mais vulneráveis da população das mudanças económicas, nomeadamente, dos desenvolvimentos negativos nos preços internacionais dos combustíveis. Acrescentou que o objectivo era encontrar o equilíbrio apropriado entre a preservação da estabilidade macroeconómica, a prestação de alívio temporário e a definição dos grupos que receberam o apoio. O fim dos subsídios foi oficialmente justificado com a queda acentuada da inflação e a relativa estabilização dos preços internacionais do petróleo em menos da metade das cifras máximas atingidas em 2008.
Os preços dos combustíveis continuam abaixo do seu custo real, mas o governo congelou de novo os ajustamentos em Junho, temendo os impactos sociais de um novo aumento, implicando uma negociação que se prevê tumultuosa com os "chapas", grande parte dos quais ligados ao submundo do "esquema" e da ilegalidade, o que os torna marginais a esquemas subsidiados de apoio formal.
SAVANA – 30.07.2010--
(MiradourOnline)
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