Sem
receios, o secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde, assume a derrota
eleitoral em Quelimane e admite que Armando Guebuza se mantenha na
presidência do partido, mesmo que a Frelimo indique outro candidato para
as eleições presidenciais de 2014.
Senhor
secretário-geral da Frelimo, o seu partido terminou, recentemente, as
eleições internas. Que leitura faz da reeleição esmagadora dos primeiros
secretários provinciais?
(.....)
O processo iniciou a nível das células, num total 277 720. Neste
processo, parte considerável dos secretários das células também foi
reconduzida. Fomos para 11 612 comités de círculo, onde foram realizadas
as conferências dos círculos, e tivemos a mesma sorte: parte
considerável foi reconduzida, estou a falar de sete mil contra quatro
mil. Depois, tivemos conferências das zonas, num total de num total de
383. A nível dos distritos, também tivemos a mesma sorte e chegámos ao
nível das conferências provinciais (...). Muitos primeiros secretários
foram reconduzidos por mérito. É o resultado do trabalho que eles
desenvolvem. Durante o mandato desses primeiros secretários, nós
ganhámos tudo quanto tínhamos a ganhar do ponto de vista daquilo que são
os objectivos de qualquer que seja o partido. Ganhámos as eleições
autárquicas nos 43 municípios a nível das assembleias municipais e,
em 42, a nível da presidência. Isto significa muito. A nível das
assembleias provinciais, das 10 províncias do país, a Frelimo ganhou em
todas e, a nível da Assembleia da República, dos 250 assentos, 191 foram
ganhos pela Frelimo. O nosso querido presidente também subiu em termos
percentuais, ou seja, a percentagem que teve em 2004 foi inferior em
relação à percentagem que teve em 2009. O nosso presidente
fez um belíssimo trabalho e o nosso partido também. Quem conduziu esses
processos todos foram esses primeiros secretários. Eu posso
compreender, facilmente, a razão pela qual a maior parte dos primeiros
secretários foi reconduzida.
Um
pouco antes das eleições internas, o primeiro secretário de Nampula,
Zacarias Ivala, disse e passo a citar: “vamos estar atentos de modo a
evitar manobras que influenciem a votação e esquemas durante as
eleições”, fim da citação. Será que este processo é transparente?
Nós
funcionamos de acordo com instrumentos normativos desses processos.
Temos, primeiro, a directiva que estabelece todos os procedimentos e,
depois, temos o código de conduta que também estabelece aquilo que são
as medidas que devem ser tomadas aos camaradas que possam vir a violar a
própria directiva e o próprio código de conduta. Isso,
independentemente, de serem camaradas concorrentes ou que apoiam essa
candidatura. Nunca aceitámos que um camarada diga que ‘não pode votar no
fulano, mas em mim’. Mas, sim, que diga ‘vote em mim porque vou fazer
um bom trabalho’, isto é que é uma campanha positiva, não fazemos uma
campanha selvagem no nosso partido. Penso que esta é a advertência que
Zacarias Ivala queria fazer na sua intervenção.
Ainda
em Nampula, foi eleito para o cargo de secretário do comité de
verificação, Agostinho Chelua, ex-administrador de Eráti que, em 2010,
ficou detido acusado de desvio de fundos. Não será este um mau sinal que
a Frelimo dá aos moçambicanos, tendo em conta que o partido diz estar a
combater a corrupção?
Não,
não é nenhum mau sinal. Temos tribunais no país. Quem condena são os
tribunais. Muita das vezes, condenamos as pessoas que são inocentes,
através da comunicação social, ou nós próprios. O que ficou provado em
julgamento é que o administrador Chelua era inocente daquilo que foi
dito. Há peças muito claras, houve pessoas de má-fé que quiseram
fazer-lhe aquela vida cara, sujar o seu nome (...). Infelizmente, a
sociedade é assim, há pessoas mal intencionadas que querem manchar a
imagem de determinados camaradas. O que foi dito sobre Chelua não
corresponde à verdade. Foi por essa razão que o tribunal judicial de
Nampula concluiu não haver matéria suficiente para o condenar. Não tendo
havido matéria suficiente para o condenar, ele é um cidadão
normalíssimo.
Na
Zambézia, o primeiro secretário, também reeleito, mandou alguns
recados. Chamou atenção para a necessidade de haver coesão entre o
governo de Itai Meque, o partido e o circulo eleitoral naquela
província. Como secretário-geral da Frelimo, sente que há
desentendimentos na Zambézia?
Não
há nenhum desentendimento, isto é a nossa prática, sempre pugnámos pela
coesão, pela unidade. Quando fazemos apelo à unidade e à coesão,
estamos a dar importância a esses elementos. Para o sucesso de qualquer
que seja a actividade, é preciso que as pessoas sejam coesas e unidas.
Portanto, este apelo que o primeiro secretário camarada Junqueiro faz na
Zambézia é feito em muitas províncias e muitos distritos.
Ainda
na Zambézia, a meio do mandato, a Frelimo ordenou a cessação imediata
de funções do então primeiro secretário provincial, Eduardo Candrinho,
mas nunca apresentou os motivos. Nessa altura, Verónica Macamo, na
qualidade de chefe da Brigada Central, teve que se deslocar a Quelimane
de emergência? Pode explicar o que aconteceu?
Não
houve nenhuma deslocação de emergência. A camarada Verónica Macamo, à
semelhança de os outros camaradas membros da comissão política que
assistem às províncias, regularmente, vai à província justamente para
fazer a monitoria, assistência, acompanhamento. Em relação à cessação de
funções do camarada Candrinho, o ex-primeiro secretário da Zambézia,
foi uma cessação normal. Temos aquilo a que chamamos mobilidade dos
quadros (...).
Que razões estiveram por detrás da queda dos edis de Pemba, Cuamba e Quelimane? Havia ou não problemas nestes municípios?
Na
devida altura, os respectivos edis deram a sua explicação. Não posso
ter uma melhor explicação que essa. Problemas existem em todo o lado,
não sítio sem problemas. Depois da renúncia dos três camaradas, tivemos
que criar condições para encontrar outros camaradas para concorrerem nas
eleições intercalares.
Pio
Matos evocou razões de saúde para deixar o cargo. Estranhamente, pouco
dias depois, dançava, cantava e corria por todas as ruas de Quelimane em
apoio à campanha do candidato da Frelimo. Muita gente estranhou isso.
Qual é a real história da sua queda?
Eu
não estranho. Quando um doente recebe tratamento, fica bem. Todos nós
já ficámos doente, ficámos sem capacidade para realizar nenhuma
actividade. Eu coloco os interesses do meu partido acima de tudo, digo
não, eu prefiro deixar o meu lugar vago porque ando doente. O próprio
Pio Matos explicou as razões de cessação das suas funções.
Um
relatório do Comando Provincial da PRM da Zambézia revelou que uma das
razões da derrota da Frelimo em Quelimane foi o facto de Pio Matos ter
feito campanhas a favor da oposição! Um, isso não revela clivagens no
seio do partido? Dois, como é que a PRM faz um relatório partidário?
Onde está a isenção da polícia?
Não
confirmo esse relatório. Nós assumimos a derrota e não a atribuímos a
uma pessoa singular. Não podemos pegar em feitos sem procurar a causa.
Eu não sei nada sobre esse relatório do comando a que se refere e nem
sei com que bases se chegou a essas conclusões.
Para
o secretário-geral, quais foram as razões da derrota da Frelimo em
Quelimane, tendo em conta que foram destacados para aquela cidade até
membros da Comissão Política?
Os
munícipes de Quelimane acharam que Manuel de Araújo era o melhor
candidato para ser edil e não Lourenço (...). Na democracia é assim
mesmo, o povo é que decide.
Qual
é o custo real para pôr cerca de cinco mil pessoas de todo o país e do
estrangeiro em Pemba para o X Congresso? Ou seja, em termos de
logística, quanto vai custar o X Congresso?
Vai
custar algum dinheiro cuja parte considerável já obtivemos. A
preparação do X Congresso começou em 2010. (...) eu dizia que havia
muitos camaradas nossos, que são camponeses, que quiseram vender a sua
produção para apoiar o X Congresso. O Congresso poderá custar por aí
cerca de 20 milhões de meticais.
Numa altura de crise, não é contraproducente a Frelimo, que é o partido que governa o país, gastar tanto dinheiro assim?
Temos
que perceber o que é governar. Governar é planificar e priorizar as
nossas actividades. O Congresso é o órgão máximo do nosso partido, ele é
que irá tomar as decisões sobre os próximos cinco anos do nosso
partido.
O
Presidente da República diz que não vai concorrer a um terceiro
mandato. Filipe Paúnde disse, numa entrevista concedida ao jornal
Savana, que “Armando Guebuza é um candidato natural à própria sucessão
na direcção do partido Frelimo, que será eleita no X Congresso”. Daqui a
dois anos haverá eleições. Se a Frelimo ganha as presidenciais, vamos
ter uma um presidente da República a responder ao presidente da Frelimo?
Isto não vai confundir os militantes e fragilizar o futuro Presidente
da República?
Eu
dizia ser difícil o presidente Guebuza não ser reconduzido à
presidência do partido. Quem está a imprimir a dinâmica do funcionamento
do partido é o presidente Guebuza. Em 2014, vamos ter um presidente da
República e um do partido. O presidente Guebuza será o nosso candidato
no Congresso por ser um presidente dinâmico.
Na
situação actual, temos membros do governo que são da Comissão
Política(José Pacheco, Aiuba Cuereneia, Alcinda de Abreu). Os mesmos
estão em pé de igualdade com o Presidente da República. Não será isso um
motivo para que o presidente não tenha na Comissão Política nenhum
peso?
Não
haverá nenhuma fragilidade, porque o partido é que orienta o Governo.
Nos diferentes papéis que cada um de nós joga durante o dia, há momentos
em que eu vou como um convidado e há momento em que vou como principal
actor. Não haverá nenhum conflito de poderes. O presidente receberá
instruções da Comissão Política e irá implementá-las na presidência.
Até que ponto pode acontecer o mesmo que sucedeu com Joaquim Chissano, após Armando Guebuza ter sido eleito Presidente da República e Chissano afastado da presidência da Frelimo?
Pode acontecer que o Presidente Guebuza um dia venha a ser um presidente honorário.
Vários
militantes da linha de frente (exemplo de Graça Machel, Jorge Rebelo,
Óscar Monteiro, Sérgio Vieira) já manifestaram, publicamente, que o
Presidente da República não deve sair da geração 25 de Setembro. É uma
manifestação pessoal ou é um sentimento consolidado no partido?
O
Presidente da República vai ser eleito entre os membros da Frelimo. Não
se sabe se será da geração 25 de Setembro ou 8 de Março ou da viragem.
Isto será esclarecido na devida altura. Somos um partido democrático e
as pessoas exprimem aquilo que são as suas ideias.
Existe a possibilidade do partido convencer Armando Guebuza a avançar para o terceiro mandato?
O
nosso partido está abaixo da Constituição. A revisão da constituição
não tem como objectivo acomodar o terceiro mandato do Presidente. O
Presidente Guebuza é uma pessoa coerente. Uma das características dos
membros da Frelimo é a coerência. O Presidente Guebuza já garantiu que
não se irá recandidatar e vai cumprir a sua promessa.
No
discurso de 3 de Fevereiro, aquando do lançamento das festividades dos
50 anos, o Presidente disse que os membros da Frelimo falam fora da
estrutura partidária e deviam fazê-lo dentro das mesmas. Isto não é uma
mensagem intimidatória?
Não,
não é. Isso está previsto nos estatutos. eles estabelecem que o membro
do partido pode escrever para os órgãos, isso é que está estabelecido
nos estatutos. Todo aquele que age fora dos estatutos está a agir contra
os próprios estatutos.
Qual
é o verdadeiro alcance da revisão da Constituição. Houve muita
expectativa, inclusive os membros que compõem a equipa da revisão são
pesos pesados. Será que o objectivo não é mudar o sistema de governação
no país?
A
nossa constituição é flexível. Ela deve ser adaptada às novas
realidades. Podemos hoje tomar uma decisão que é certíssima e daqui a 3
ou 4 anos a mesma possa ser considerada não mais perfeita (...)
Causou
algum desconforto a revisão do pacote anti-corrupção? O governo da
Frelimo apresentou um documento muito criticado pela bancada. Pareceu
haver uma descoordenação!
Deixa-me
recuar no tempo e no espaço para mostrar a grande preocupação: o
compromisso que o governo da Frelimo tem na luta contra a corrupção. A
provisão de instituições e infra-estruturas para o funcionamento dos
órgãos de administração, a criação de estruturas tais como gabinetes de
combate à corrupção na zona norte, centro e sul do país.
Há
uma certa concentração da riqueza nas elites políticas. O fosso entre
ricos e pobres é cada vez mais gritante. Não será isto perigoso para o
país, quando a redistribuição da riqueza não é justa?
É
preciso definirmos o conceito de redistribuição da riqueza primeiro. As
escolas que temos em todo o país são uma forma de distribuição da
riqueza. Quando se fala de concentração da riqueza nos moçambicanos, há
um exagero, mas eu estou a favor de que os moçambicanos fiquem ricos.
Afinal de contas para quê lutámos? Não lutámos para ser empregados. É
para continuarmos a ser pobres no nosso país? Temos um problema, quando é
um negro que está a construir uma casa, damo-lo o nome de corrupto. Não
queremos saber há quanto tempo trabalha, se pediu um empréstimo
bancário ou não.
Falando
à rádio Renascença, Dom Jaime afirmou que “o regime toma o risco de
explorar a riqueza do país, não com as próprias mãos, mas com as mãos
dos investidores (...). Desta forma, o país pode ficar demasiado
dependente dos donos dos mega-projectos”. Quem é que explora os nossos
recursos?
Pergunta
a ele. Pergunta ao Dom Jaime, ele é que vai dar a resposta. O que devo
dizer é que com o que está sendo feito no nosso país, os recursos tendem
a beneficiar os moçambicanos. Mas entre nós não temos capacidade para
explorar os recursos de que dispomos dentro do nosso próprio país.
Mas as elites políticas têm ou não licenças?
As
elites políticas estrangeiras? Não são elites políticas. Essa é uma
desinformação que vocês estão a passar. Quando vocês dizem as elites, as
licenças são para os moçambicanos. Quantos moçambicanos têm licença?
quantos moçambicanos empresários que exploram os recursos e não são das
elites políticas? Olha, isso é dar informação errada aos moçambicanos. Quinta, 02 Agosto 2012 00:00
Arsénio Henriques
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