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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Carta Aberta ao Ministro da Saúde

Por Custódio Duma - Jurista da LDH

Esta é a primeira vez que directamente me dirijo a si, por meio de uma carta aberta, pois creio que o senhor tirará tempo para analisar o que aqui pretendo fazer chegar. Escrevo-lhe porque acredito na sua capacidade pessoal e técnica no Ministério que dirige. Para mim, o senhor é um dos poucos ministros que está no lugar certo. Escrevo-lhe também para parabeniza-lo, sabendo que o senhor está incansavelmente empenhado a reformar o ministério que dirige dada a importância que tem para o desenvolvimento deste país. O que quero dizer não é sobre o Ministério entanto que tal, mas sobre o Hospital Central de Maputo, que ao mesmo tempo é um espelho bem claro do vosso trabalho e das vossas intenções. Vou começar por colocar duas situações:

Primeiro: Na última semana de Janeiro tive que levar um amigo ao hospital central, concretamente ao Posto de Socorros, já que ele tinha sofrido uma agressão física e estava a sangrar na testa. Ao entrarmos, depois de abrir a ficha e antes de chegarmos a caixa, onde devíamos fazer um pagamento de 150 Meticais, fomos interceptados por um enfermeiro que segurou o braço do meu amigo e fez-me parar. Insisti com ele que ainda não tínhamos feito o pagamento, mas ele pediu que me calasse e ficasse a espera. Parei e o meu amigo continuou com o tal enfermeiro. Percebi o que eventualmente estava a acontecer, então mandei um sms ao meu amigo informando que estava a suspeitar tratar-se de um truque para cobrança ilícita e, que se disso se tratasse ele não pagasse, ao menos que dessem recibo. Na verdade era disso que se tratava e o enfermeiro insistiu que ele deveria fazer o pagamentor senão teria que ficar a espera e não receberia o tratamento mais apropriado. O meu amigo fez o pagamento e cerca de 20 minutos depois ele estava despachado. Lamentei o facto, mas naquele momento nada podia fazer, conduzi o meu amigo a casa, pensando comigo porquê as reformas que o Senhor Ministro pretende dinamizar apresentam esse tipo de falhas.

Segundo: Uma semana depois, tive que levar uma colega à Clinica Especial, ela torceu a perna no batelão vindo da Catembe onde tínhamos um encontro sobre Direitos Humanos. A minha colega é europeia e tinha um seguro de saúde, fomos a clínica e em uma hora estava tudo pronto. Só que foi necessário receber uma vacina contra tétano, eu tive que dirigir-me a farmácia para comprar tal vacina. Coincidentemente, estava na farmácia o jovem que havia feito o Raio X da minha colega na Clínica Especial, ele acabava de largar e pretendia comprar Pó (lauriderme penso eu) para seu filho recém-nascido. Tal pó custava cerca de 170 Meticais e na hora o jovem só tinha 130 Meticais. O jovem implorava ao farmacêutico que lhe fizesse um favor e aceitasse receber o remanescente no dia seguinte. Dizia ele que havia trabalhado o dia todo e que não teve possibilidades de sair para procurar dinheiro ou ir comprar o mesmo medicamento em lugares mais baratos. Fiquei escutando a conversa por cerca de 15 minutos, mas o farmacêutico foi forte e disse que nada podia fazer. Perguntei-lhe porque é que era assim? Trabalhadores não terem algum beneficio, mesmo que isso significasse descontos no salário? A resposta foi: “olha senhor, eu também trabalho aqui na Clínica Especial, mas quando estou doente ou quando meu filho está doente não conseguimos vir até aqui. Nunca fui tratado aqui.” Olhei para a cara do jovem técnico, percebi seu desespero e ofereci-lhe duzentos Meticais. Ele comprou o Pó para o seu filho e reteve os trocos. Peguei na minha colega e conduzi-a ao hotel. Durante o percurso e até a minha casa, pensei nos dois episódios que aconteceram no mesmo hospital e em dias diferentes, todos com trabalhadores da saúde e coloquei algumas hipóteses. Pareceu-me que algumas cobranças ilícitas têm em vista satisfazer necessidades básicas dos enfermeiros, como por exemplo, comprar medicamentos para si.

Senhor Ministro, Não quero justificar práticas ilícitas dos trabalhadores de saúde, mas quero dizer que elas existem e que as suas causas devem ser muito bem estudadas para solucioná-las. Já imaginou o que é fazer cobranças ilícitas a um doente? Isso é aproveitar-se do estado de necessidade das pessoas e até certo ponto ameaçá-las ou chantagea-las pois se não faz tal pagamento pode correr riscos. Mas também, já imaginou Senhor Ministro, um enfermeiro trabalhar num hospital e não ter condições de levar seu filho para lá? Vender medicamentos e não poder ter medicamentos para si e sua família. Imagina a situação daquele jovem técnico de Raio X que queria Pó para seu filho e simplesmente não conseguiu, nem pelos seus meios nem pelo apoio do hospital e teve que se beneficiar da boa vontade dos utentes.

Senhor Ministro, Não posso continuar a fazer perguntas, pois sei que V.Excia já percebeu o cerne da questão que apresento. Gostaria somente de afirmar em jeito de fecho que, mais do que criar boas condições para os doentes, é preciso criar excelentes condições para os funcionários da saúde, para que estes, consequentemente, tratem bem aos utentes do hospital. Muito obrigado Senhor Ministro, por tirar tempo e ler esta carta! Sempre.
(Custódio Duma)

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