Contra as convicções e vaticínios de quase tudo e todos, Afonso Dhlakama
renasceu para a política esta semana, nas faldas verdejantes da
Gorongoza, depois de não ter conseguido o mesmo no seu auto-exílio de
Nampula.
Mas para tal tiverem que morrer nove moçambicanos.
Depois de Muxúnguè, o local fatídico no escalar de tensão entre a Renamo
e o governo, Dhlakama aparece na liderança da agenda política,
subalternizando o executivo e o seu chefe, e com um notável apoio de
opinião pública, que não
quer abrir mão do capital de esperança que foram os 20 anos de paz alcançados.
O que o governo e os seus apoiantes ouviram no rescaldo de Muxúnguè, não
foi a condenação da Renamo, mas um apelo veemente à paz e ao fim da
violência.
Em cima da mesa, estão de novos os pontos cruciais da Renamo: as
eleições, a marginalização dos seus membros nas forças de defesa e
segurança, a partidarização do Aparelho de Estado.
Dhlakama sabe que não está a exigir o impossível. Instâncias várias,
incluindo o Conselho Constitucional, confirmaram fraudes e ilícitos
eleitorais ao longo dos vários pleitos nacionais. À excepção do célere
julgamento dos membros do MDM (Movimento Democrático de Moçambique),
todos os outros casos permanecem no âmbito da habitual apatia do
judiciário, o que nos leva a partir para outro estágio de
questionamentos, que têm a haver com a sua parcialidade e um punhal nas
costas da nossa imberbe democracia.
Na polícia e nos serviços de segurança, o modus operandi manteve-se
praticamente inalterável desde o Acordo de Paz. É na polícia,
precisamente, onde se concentra o maior poder de fogo e capacidade
bélica do aparato de defesa e segurança do Estado. No exército, por via
administrativa, os que por força do Acordo ali foram integrados,
perderam praticamente expressão.
A partidarização compulsiva do Aparelho de Estado, sobretudo nos
escalões mais elevados, das academias, a “infiltração” de organismos da
sociedade civil pela Frelimo é o pão nosso de cada dia.
Não são os argumentos legalistas ou as exposições casuísticas que
afastam o défice democrático pós-Roma, quando o contrário é que deveria
ser a prática quotidiana: A construção de uma sociedade cada vez mais
pluralista e inclusiva.
Em paralelo, os amnésicos dos anos 90, esqueceram- se que também em 1979
se acreditou que com a independência à vista no Zimbabwe, a Renamo ia
acabar. O equívoco repetiu-se em 1984, com Nkomati. Sabíamos à altura e
sabemos melhor hoje, que as forças governamentais e não a Renamo estavam
exangues em 1992. Mas 20 anos fazem esquecer muita coisa, mormente que
os únicos vencedores em 1992 foram os moçambicanos que se conseguiram
libertar do espectro da guerra.
Os mesmos amnésicos, os que nunca aceitaram que a Renamo também é parte
do tecido social moçambicano, ansiavam por um momento de confrontação.
Ansiavam por ver a FIR (Força de Intervenção Rápida) e os seus blindados
a desbaratarem os “inergúmeros” da Renamo. Ao segundo “round” tudo
correu mal para os falcões que já se esqueceram dos horrores do passado.
A questão de fundo não é o reinício da guerra, mas a eliminação de
tensões e violências que vaitornar tudo mais difícil para todos os
moçambicanos. A começar pelo “El Dorado” que ficará mais distante, se
numa qualquer estrada ou localidade mais ou menos anónima, pessoas e
bens forem molestados em nome da intransigência e da arrogância.
Foi o crescendo de insensibilidade e arrogância que nos conduziu a
Muxúngué e transformou Dhlakama no “croupier” do momento,
subalternizando os poderes do dia, obrigando-os, incluindo o presidente
Guebuza, a correr atrás do prejuízo.
Como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, é preciso arregaçar
as mangas, por de lado as plumas machucadas e partir-se para o debate
sério dos problemas que dividem os moçambicanos.
Sem demagogia de paternidades democráticas auto-proclamadas, sem
vitimizações oportunistas, sem galões de duvidosa legitimidade e
bravatas de punhos sobre o peito.
Façamos como no caminho das pedras que nos levou a Roma.
Fernando Lima, Savana, 12/04/13
Sem comentários:
Enviar um comentário