"MOCAMBIQUE PARA TODOS,,

VOA News: África

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Reunir para dizer...nada

A resposta do Presidente Guebuza aos manifestantes foi uma negação absoluta da expectativa de muitos cidadãos deste país, que precisam de ser verdadeiramente criativos para se manterem no fio da navalha, e para quem o aumento dos preços ameaça a própria perspectiva de subsistência.

Depois da trapalhada da 4ª feira, em que se colocou o partido Frelimo acima do Estado e do Governo, num momento particular de grave crise social no país, finalmente na 5ª feira, a sensatez prevaleceu e o Chefe de Estado reuniu o Conselho de Ministros, em sessão extraordinária, para analisar o caos que reina(va) em Maputo. Pena é que o resultado dessa reunião tivesse tido pouco de extraordinário.

Parece inacreditável, mas após duas horas de reunião, que gerou expectativas elevadas no país, o Conselho de Ministros terminou produzindo um comunicado lacónico de quatro linhas, que fazia exactamente o que o Comando Geral da Polícia fizera na véspera: uma actualização estatística dos prejuízos resultantes das manifestações, e a grande novidade de que para baixar o custo de vida, os moçambicanos teriam que trabalhar para aumentarem a produção e a produtividade.

Deixemos as estatísticas de lado e olhemos para a mensagem principal: um levantamento de cariz social como o de 1 de Setembro, tal como o de 5 de Fevereiro, clama por soluções de curto prazo, por medidas de impacto imediato na vida dos cidadãos. Afinal, as pessoas rebelam-se porque estão com problemas na satisfação das suas necessidades básicas e não podem esperar que a produção e a produtividade aumentem, algo que é, normalmente, de longo prazo. No fim de cada mês, o dinheiro que os cidadãos ganham, tem de chegar para pagar água, luz, pão e outros produtos imprescindíveis para a sua sobrevivência. Por isso, cada aumento corrói drasticamente o seu poder de compra. É isto que pretenderam mostrar com as barricadas desta semana.

Ao invés disso, o comunicado do Conselho de Ministros, e o seu próprio porta-voz, insistiram na tese de que a única saída para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos era aumentar a produção e a produtividade. É tão lógico quanto paradoxal. Lógico porque nenhum país faz riqueza sem produção.

Paradoxal porque a produção e a produtividade dependem mais do Governo do que do cidadão. Do Governo porque é ele o indutor do desenvolvimento, o definidor de políticas e se a produtividade é baixa, em Moçambique, é porque o Governo não está a ser capaz de estimulá-la através das várias estratégias de incentivo de que dispõe. Portanto, quando diz que a produção e a produtividade é baixa, o Governo está, ao mesmo tempo, a dizer que ele próprio não está a fazer o que deve.

Neste momento, se a este Governo se pode reconhecer o mérito de apontar claramente o objectivo nacional do momento (o combate à pobreza), por outro lado, há que lhe apontar o demérito de não ter a mesma clareza na definição da forma como se deve combater essa mesma pobreza. Os dirigentes, do nível central ao local, no lugar de discutirem permanentemente como acabar com a pobreza, transformaram-se em repetidores de discursos do Chefe de Estado - todos apelam aos cidadãos a combaterem a pobreza, mas não fazem o que é sua principal tarefa: apontar caminhos.

Por isso, sem nos darmos conta disso, transformámo-nos em país de discursantes, quase todos só falamos e poucos fazem. Falamos que a agricultura é a base do desenvolvimento, traz-nos uma vantagem comparativa absoluta, uma vez que os seus factores de produção são menos complexos: capital, trabalho e terra. Mas somos os campeões da importação de produtos alimentares, na região.

O próprio Chefe de Estado não foi capaz, no rescaldo desta crise, de passar uma mensagem de esperança, não só a muitos daqueles jovens e adolescentes que se barricaram, na 4ª e 5ª feira desta semana, alguns deles provavelmente sem saberem porquê, mas também a muitos cidadãos deste país, que vivem em condições sociais alarmantes, e que ansiavam que esta crise lhes trouxesse respostas mais concretas. O Presidente Guebuza não foi capaz de transmitir mensagem de optimismo a milhões de cidadãos deste país que viram os aumentos de preços agravarem a sua incerteza quanto ao futuro; o Presidente Guebuza não foi capaz de transmitir, no seu discurso, a mesma firmeza que mostrava, quando, em campanha eleitoral, nos pedia para votar em si, nas eleições, e em troca nos prometia um futuro melhor, mesmo sabendo que o cenário internacional era adverso a algumas das promessas que fazia. Nessa altura, no entanto, não nos falou da crise internacional.

A resposta do Presidente Guebuza aos manifestantes foi uma negação absoluta da expectativa de muitos cidadãos deste país, que precisam de ser verdadeiramente criativos para se manterem no fio da navalha e para quem o aumento dos preços ameaça a própria perspectiva de subsistência. Um discurso conciliador por parte do chefe máximo da nação, na noite da última 5ª feira, teria tido o condão de fazer a ruptura com o belicismo das palavras do ministro José Pacheco e redespertar parte da esperança, que se perdeu nos últimos dias, em muitos moçambicanos.

Porque, para muitos destes cidadãos carentes, mais do que as suas próprias dificuldades quotidianas, é a dor do desprezo para com a sua pobreza que mais inquieta; a sensação de que as suas dificuldades são irrelevantes para quem governa e que, por mais que falem, não serão atendidos. Por isso, para estes cidadãos desesperados, excluídos, levantamentos como os desta semana são a única forma de se fazerem ouvir. De fazerem quem governa prestar-lhes atenção por algumas horas que seja.

Remeter os cidadãos para o plano quinquenal, como fez o Chefe de Estado, ajudou a alimentar a perturbadora ideia de que o nosso Governo não tem mais soluções para os problemas dos seus cidadãos. E isto é perigoso para um Governo que se reelegeu há apenas pouco mais de um ano e tem ainda perto de quatro anos de mandato pela frente. E sobretudo é perigoso para a imagem de Moçambique junto dos investidores. Não havendov mudanças estruturais na relação social e mantendo-se esta tensão, o risco de repetição de levantamentos populares desta natureza é enorme e ninguém investe num país com estas características.

O Chefe de Estado justificou também o elevado custo de vida com a crise internacional. É surpreendente que, desde que esta crise começou, este Governo que o Chefe de Estado dirige fez várias comunicações, incluindo no Parlamento, referindo que a crise não iria atingir o nosso país. Como, então, explicar às pessoas que, afinal, não era bem assim; que estamos a ser vítimas desta mesma crise que vos dissemos que não nos iria atingir?

O que é certo é que todas estas conclusões apressadas para justificar o que aconteceu, esta semana, ajudar-nos-ão pouco a compreender o fenómeno em si e, em consequência, a encontrar as soluções certas para o problema. Só o simples facto de que é a segunda vez que temos o mesmo dilúvio social, em dois anos, deveria servir de lição e convocar-nos a interrogarmo-nos sobre o que fazemos e como fazemos.

Porque, por detrás daqueles "arruaceiros, bandidos e vândalos", que paralisaram Maputo, esta semana, para usar as palavras de José Pacheco, há um coro enormíssimo de vozes de solidariedade que grita em silêncio e mal-diz desta governação...

Jeremias Langa - 6/9/10

--
(MiradourOnline)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Angola24Horas

Últimas da blogosfera

World news: Mozambique | guardian.co.uk

Frase motivacionais

Ronda noticiosa

Cotonete Records

Cotonete Records
Maputo-based group

Livros e manuais

http://www.scribd.com/doc/39479843/Schaum-Descriptive-Geometry