Editorial
Maputo
(Canalmoz) – Quando o comandante-geral da Polícia, Jorge Khálau,
reafirma que não vai obedecer aos tribunais, de acordo com uma sua
intervenção na abertura das celebrações de mais um aniversário da PRM na
última segunda-feira em Maputo, estamos perante mais uma desobediência
tremenda à Constituição da República. E quando de forma consciente e
reiterada Khálau volta a dizer que não vai respeitar mais ordens
judiciais, ele está a voltar a dar um valente pontapé na Constituição da
República.
Quando
a questão chega ao ponto a que chegou torna-se extremamente delicada
pois abre um precedente que pode levar-nos a comportamentos semelhantes
aos que já vimos e vivemos no passado e nos conduziram a uma guerra
tremenda, que o povo naturalmente não queria que tivesse sucedido – tal
como hoje muito naturalmente não quererá – mas que acabou acontecendo,
fazendo milhões de mortos e estropiados, e outros milhões de refugiados.
Os excessos de certos senhores que se julgavam omnipotentes, acabou levando-nos para o abismo que só em Roma se veio a reparar.
Já
vimos o que deu haver no País dirigentes convencidos que nasceram para
governar e obcecados pela ideia de que o Estado são eles e mais ninguém.
“Continuo
firme e irredutível. Não tenho nada a ver com as críticas, nem estou
preocupado com isso. A verdade é que não vamos nos deixar levar por juiz
algum para defender ou beneficiar os criminosos. Por isso não vamos
obedecer a nenhuma ordem judicial”, reafirmou Jorge Khálau na última
segunda-feira perante uma audiência que irá certamente reproduzir essa
conduta e pisar a Lei Fundamental do País tanto quanto puderem, de agora
em diante.
É preciso simplesmente descaramento!
Khálau
é a Justiça, em suma. Ele não obedecerá a ninguém da Justiça. Ele é a
lei e a ordem. Só ele é tudo. Ele tem armas e homens que pode livremente
manipular. Ele é dono e senhor de nós todos e das instituições. Ele
está a colocar-se até acima de quem aprovou a Constituição da República e
de quem a promulgou e promulgou as leis. O Estado é ele e por aí abaixo
virão os mais inadmissíveis abusos dos agentes que com este mau exemplo
passarão também a julgar-se donos e senhores da República se Khálau não
for demitido já, para que sirva de exemplo do limite a que qualquer
servidor público deve obedecer.
Reza
a Constituição da República que “a soberania reside no povo; O povo
moçambicano exerce a soberania segundo as formas fixadas na
Constituição; O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na
legalidade; e As normas constitucionais prevalecem sobre todas as
restantes normas do ordenamento jurídico”. Mas, o senhor Khálau não quer
saber disso para nada. E o presidente da República nem sequer se
apercebe que ele está também a “cuspir” na cara do supremo magistrado da
nação ao dizer o que tem vindo a repetir com um atrevimento imperial.
Jorge
Khálau não pode continuar a “cuspir” nos juízes e a desrespeitar as
ordens dos tribunais e dos magistrados em geral, sob pena de mais
ninguém neste pais ter a obrigação de as cumprir.
As
outras instituições estão minadas de burros e de incompetentes, é o que
subjaz do que o senhor Khalau diz e reafirma quando com toda a
arrogância se recusa a respeitar as decisões dos tribunais. Para ele só
são válidas as decisões dos juízes que aprovam o que a Policia quer.
Para isso não seria necessários tribunais. Não seria preciso provar nada
em juízo.
A
República é ele. Para ele estamos na República do Khálau. As armas falam
por si. A lei que aguarde. O povo que se cale. Os juízes que se calem. O
Conselho Superior da Magistratura Judicial se ele tem algo a contestar
na actuação de algum juiz, não é órgão que se considere. Ele pode quer e
manda. O juiz é mau e só ele é que sabe. Os magistrados não têm de
obedecer à lei, mas, sim, ao Senhor Khálau.
De
arma na mão Khálau afirma-se dono e senhor do País até chegar o dia em
que o próprio comandante-em-chefe acabará por ouvir dele outras ameaças e
terá de se submeter. Por isso Guebuza não pode esperar mais pelo que
tem de fazer. A não ser que o Senhor Khálau esteja na posse de algum
segredo que impede o Chefe de Estado de agir.
“A
República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado na organização
política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do Homem”, reza a Constituição da República de Moçambique.
A
partir do que Jorge Khálau tem vindo a dizer e a repetir estará alguém
capaz de continuar a supor ao menos que vivemos num Estado de Direito e
se está a construir uma Democracia?
Ao modo como o senhor Khálau se está a comportar, vai mesmo continuar impune?
Nós
cremos que ele, para falar da maneira como anda a falar, está com as
costas quentes e, a ser assim, a força que ele exibe só pode provir do
comandante-em-chefe das Forças de Defesa e Segurança do País, ou seja,
do Presidente da República que nem mesmo ele pode fazer do País o que
lhe passa pela cabeça, pois também Armando Guebuza foi obrigado a jurar
respeitar e fazer respeitar a Constituição, o que, pelo que se vê Khálau
fazer e desfazer impunemente, não está a cumprir.
A
Liga dos Direitos Humanos já pediu a demissão de Jorge Khálau para que
seja reposto o respeito pela Constituição da República e pela
legalidade. Tem aí a resposta na ponta das armas: “Não vamos obedecer a
nenhuma ordem judicial”.
A
Ordem dos Advogados tem também aí a resposta e um aviso às suas
preocupações. Se se recordarem do que Bernardo Cumbane, agora director
da PIC na Cidade de Maputo, fez um dia aos escritórios do Dr. Abdul
Gani, que se preparem para o que aí ainda virá. Lei e Ordem é da cabeça
do senhor Khálau.
O
Artigo 38 da CRM prevê que “é dever respeitar a Constituição”. “Todos os
cidadãos têm o dever de respeitar a ordem constitucional” e “os actos
contrários ao estabelecido na Constituição são sujeitos a sanção” mas
Khálau está impune.
A Constituição e a Lei não são aplicáveis a Jorge Khálau?
Os
preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,
prevê a Constituição. E nesses instrumentos está previsto que os
cidadãos tenham direito a defesa, sendo isso matéria da magistratura do
Ministério Público e dos tribunais. O senhor Khálau está acima disso
tudo?
Goste-se ou não se goste do que o juiz decide, as decisões dos tribunais prevalecem ou não?
“Todo
o cidadão tem o dever de cumprir as obrigações previstas na lei e de
obedecer às ordens emanadas das autoridades legítimas, emitidas nos
termos da Constituição e com respeito pelos seus direitos fundamentais”,
prevê a Constituição, mas o senhor Khálau pensa que não é cidadão; é
comandante-geral da PRM. Por este andar não tarde está a mandar prender
magistrados porque não decidiram como o Senhor Khálau quer.
“Na
República de Moçambique, ninguém pode ser preso e submetido a
julgamento senão nos termos da lei”. Isso remete a decisão aos juízes,
mas o senhor Khálau não quer saber disso para nada.
“Os
arguidos gozam da presunção de inocência até decisão judicial
definitiva” e “nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela
prática do mesmo crime, nem ser punido com pena não prevista na lei ou
com pena mais grave do que a estabelecida na lei no momento da prática
da infracção criminal”, mas o senhor Khálau tem as suas próprias leis e
os juízes devem meter a viola no saco e calarem-se. Ele sozinho é um
tribunal. Ele trata de ofender toda a magistratura. “Não vamos obedecer a
nenhuma ordem judicial”, diz Khálau. E mais grave é que não é só ele
que não vai obedecer. “Nós”, diz. Refere-se a toda a Polícia. Se isso
não é dar um golpe de Estado, o que é?
“O
Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos
arguidos o direito de defesa”, mas o senhor Khálau não quer saber disso
para nada.
“A
prisão preventiva só é permitida nos casos previstos na lei, que fixa
os respectivos prazos; O cidadão sob prisão preventiva deve ser
apresentado no prazo fixado na lei à decisão de autoridade judicial, que
é a única competente para decidir sobre a validação e a manutenção da
prisão”, mas o senhor Khálau também passa por cima disso tudo. A
Constituição não foi feita para ele. Tudo o que está na Constituição
para Jorge Khálau não é para ele. Ele tem a sua própria constituição.
Khálau é o máximo. Julga-se dono e senhor de nós todos. O País é dele.
Não estará o chefe de Estado a desrespeitar todos os moçambicanos, mantendo este mau exemplo à frente da PRM?
O
que espera o Senhor Presidente da República para devolver à Polícia
alguém que a prestigie e que não ofenda a Constituição da República?
Será Khálau o único oficial superior da PRM capaz de exercer tão altas
responsabilidades? Estamos mal se isso for verdade… (Canalmoz / Canal de Moçambique)
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