Não devemos apegar-nos aos erros dos americanos para disfarçar um problema real com que nos debatemos, neste país.
O  nosso país foi sacudido, esta semana, por revelações inéditas das  correspondências confidenciais de diplomatas americanos, que têm sido  publicados pela Wikileaks. De políticos a empresários, passando por  oficiais da migração e das alfândegas, os ficheiros secretos americanos  são cáusticos para com o nosso país e semearam um verdadeiro ambiente de  desconforto interno, em vários sectores.
  A  meu ver, há pelo menos duas dimensões para analisar este assunto. A  primeira tem a ver com a real legitimidade dos documentos em si. Falta  rigor em muitos deles, pelo menos nos que se referem à parte moçambicana  que eu li. Como disse Lula da Silva, esta semana, é um “trabalho menor  de alguns embaixadores dos EUA que, não tendo o que escrever, escreveram  bobagens”. E isso é bem visível no facto de, em vários casos, usarem  informações com base ou em fontes anónimas, ou numa única fonte ou mesmo  nas percepções pessoais do ex-Encarregado de Negócios dos EUA em  Moçambique. Na generalidade, não houve o contraditório com os visados e  muitos deles estão a tomar conhecimento pela primeira vez pelos jornais  de acusações que pesam sobre si.
Na  verdade, no grosso dos documentos, Todd Chapman baseou-se nas conversas  de bastidores, que toda a gente trava, nos copos, sem a mínima  preocupação de aprofundar os factos levantados.
A  falta de rigor de Todd Chapman foi notada também por Joseph Hanlon, ao  comentar uma das citações que lhe faz o ex-Encarregado de Negócios dos  EUA, nos seus telegramas. Diz Hanlon que Todd Chapman é mestrado em  Inteligência Estratégica pelo Colégio da Inteligência da Defesa Nacional  dos EUA, mas por vezes se perde na forma como usa as fontes. Entre  vários exemplos que aponta, Hanlon conclui que “uma coisa que mostra a  Wikileaks é como os telegramas das embaixadas são um amontoado de  informações precisas, declarações erradas e pareceres mal-informados”.
A  segunda dimensão do problema é que não devemos apegar-nos aos erros dos  americanos para disfarçar um problema real com que nos debatemos, neste  país. Erros de forma à parte, significativa informação referida nos  telegramas tem tudo para ser verdade. O narcotráfico, a lavagem de  dinheiro e a corrupção em Moçambique não são invenção daqueles  telegramas americanos, escritos por Todd Chapman. São, antes, problemas  concretos, que temos que deixar de fingir que não os vemos. Por alguma  razão Momed Ayoob saiu com 18 milhões de randes na mão, de carro, os  nossos guardas fronteiriços e das alfândegas deixaram-no atravessar  tranquilamente a fronteira de Goba, em direcção à Suazilândia, sem o  molestar. Provavelmente, fazia-o sempre. Por alguma razão foi apreendida  droga, em Lisboa, que tinha Maputo como destino; por alguma razão vemos  gente neste país a respirar liquidez por todos os poros, quando o mundo  inteiro se queixa da crise económica e financeira internacional.  Certamente, os ganhos da nossa economia não chegam para explicar tudo  isto. Tem de haver, pois, outra forma de explicar este súbito acumular  de riqueza. 
Por  causa destes problemas todos, o mundo olha-nos, hoje, com suspeição. Já  não são apenas os nomes que estão naqueles ficheiros que estão em  cheque. Somos todos nós os moçambicanos. De cada vez que nos deslocarmos  a algum lugar, lembrar-nos-ão, nós a maioria, pela droga que uma  minoria deixa passar; pela corrupção das nossas instituições; pela  fortuna fácil de algumas pessoas. Seremos a Colômbia de África. 
Precisamos,  pois, urgentemente, que o país se livre das suspeições. Mas não serão  os outros a fazê-lo por nós. Não há doador que o faça. Temos que ser  unicamente nós próprios. Porque a culpa de termos chegado ao extremo que  chegámos, é inteiramente nossa. Falámos de combater a corrupção e,  afinal, a nossa inércia estimulou o seu aumento. Perseguimos pequenas  corrupções e deixámos as grandes intactas. Os grandes casos de que nos  orgulhamos de ter levado aos tribunais, no conjunto, não totalizam 150  mil dólares: Orlando Comé foi condenado por desviar 3 milhões de  meticais (85 mil dólares) e Almerino Manhenje está a ser julgado sob  acusação de ter aplicado mal 1 milhão e oitocentos mil meticais (51 mil  dólares). Os dois casos não expressam, seguramente, a real dimensão da  corrupção em Moçambique. Pensar assim é maquilhar a realidade. Basta ver  o montante com que foi encontrado Momed Ayoob e tem-se logo a ideia de  que orlando Comé e Almerino Manhanje são um mero entretenimento para  doador ver.
Aqui  é onde, de facto, reside a essência do problema. Qual a atitude que o  nosso Estado tem para com vários empresários que floresceram do nada,  ostentam riqueza, mas que não têm nenhum percurso nos negócios que se  lhes reconheça? Se conseguirmos responder com acções práticas a esta  pergunta, não haverá Wikileaks que nos crie desconforto. As informações  divulgadas pelo wikileaks atingiram muitas sensibilidades internas  também, embora não exclusivamente, porque criámos terreno fértil para  isso...
 
 

 
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