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VOA News: África

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre os wikileaks

A Wikileaks está a colocar a nu um trabalho menor que alguns embaixadores dos EUA fizeram. Espero que os meus embaixadores, se não tiverem o que escrever, não escrevam aquele tipo de bobagens”.
Não devemos apegar-nos aos erros dos americanos para disfarçar um problema real com que nos debatemos, neste país.
O nosso país foi sacudido, esta semana, por revelações inéditas das correspondências confidenciais de diplomatas americanos, que têm sido publicados pela Wikileaks. De políticos a empresários, passando por oficiais da migração e das alfândegas, os ficheiros secretos americanos são cáusticos para com o nosso país e semearam um verdadeiro ambiente de desconforto interno, em vários sectores.

 A meu ver, há pelo menos duas dimensões para analisar este assunto. A primeira tem a ver com a real legitimidade dos documentos em si. Falta rigor em muitos deles, pelo menos nos que se referem à parte moçambicana que eu li. Como disse Lula da Silva, esta semana, é um “trabalho menor de alguns embaixadores dos EUA que, não tendo o que escrever, escreveram bobagens”. E isso é bem visível no facto de, em vários casos, usarem informações com base ou em fontes anónimas, ou numa única fonte ou mesmo nas percepções pessoais do ex-Encarregado de Negócios dos EUA em Moçambique. Na generalidade, não houve o contraditório com os visados e muitos deles estão a tomar conhecimento pela primeira vez pelos jornais de acusações que pesam sobre si.
Na verdade, no grosso dos documentos, Todd Chapman baseou-se nas conversas de bastidores, que toda a gente trava, nos copos, sem a mínima preocupação de aprofundar os factos levantados.
A falta de rigor de Todd Chapman foi notada também por Joseph Hanlon, ao comentar uma das citações que lhe faz o ex-Encarregado de Negócios dos EUA, nos seus telegramas. Diz Hanlon que Todd Chapman é mestrado em Inteligência Estratégica pelo Colégio da Inteligência da Defesa Nacional dos EUA, mas por vezes se perde na forma como usa as fontes. Entre vários exemplos que aponta, Hanlon conclui que “uma coisa que mostra a Wikileaks é como os telegramas das embaixadas são um amontoado de informações precisas, declarações erradas e pareceres mal-informados”.
A segunda dimensão do problema é que não devemos apegar-nos aos erros dos americanos para disfarçar um problema real com que nos debatemos, neste país. Erros de forma à parte, significativa informação referida nos telegramas tem tudo para ser verdade. O narcotráfico, a lavagem de dinheiro e a corrupção em Moçambique não são invenção daqueles telegramas americanos, escritos por Todd Chapman. São, antes, problemas concretos, que temos que deixar de fingir que não os vemos. Por alguma razão Momed Ayoob saiu com 18 milhões de randes na mão, de carro, os nossos guardas fronteiriços e das alfândegas deixaram-no atravessar tranquilamente a fronteira de Goba, em direcção à Suazilândia, sem o molestar. Provavelmente, fazia-o sempre. Por alguma razão foi apreendida droga, em Lisboa, que tinha Maputo como destino; por alguma razão vemos gente neste país a respirar liquidez por todos os poros, quando o mundo inteiro se queixa da crise económica e financeira internacional. Certamente, os ganhos da nossa economia não chegam para explicar tudo isto. Tem de haver, pois, outra forma de explicar este súbito acumular de riqueza.
Por causa destes problemas todos, o mundo olha-nos, hoje, com suspeição. Já não são apenas os nomes que estão naqueles ficheiros que estão em cheque. Somos todos nós os moçambicanos. De cada vez que nos deslocarmos a algum lugar, lembrar-nos-ão, nós a maioria, pela droga que uma minoria deixa passar; pela corrupção das nossas instituições; pela fortuna fácil de algumas pessoas. Seremos a Colômbia de África.
Precisamos, pois, urgentemente, que o país se livre das suspeições. Mas não serão os outros a fazê-lo por nós. Não há doador que o faça. Temos que ser unicamente nós próprios. Porque a culpa de termos chegado ao extremo que chegámos, é inteiramente nossa. Falámos de combater a corrupção e, afinal, a nossa inércia estimulou o seu aumento. Perseguimos pequenas corrupções e deixámos as grandes intactas. Os grandes casos de que nos orgulhamos de ter levado aos tribunais, no conjunto, não totalizam 150 mil dólares: Orlando Comé foi condenado por desviar 3 milhões de meticais (85 mil dólares) e Almerino Manhenje está a ser julgado sob acusação de ter aplicado mal 1 milhão e oitocentos mil meticais (51 mil dólares). Os dois casos não expressam, seguramente, a real dimensão da corrupção em Moçambique. Pensar assim é maquilhar a realidade. Basta ver o montante com que foi encontrado Momed Ayoob e tem-se logo a ideia de que orlando Comé e Almerino Manhanje são um mero entretenimento para doador ver.
Aqui é onde, de facto, reside a essência do problema. Qual a atitude que o nosso Estado tem para com vários empresários que floresceram do nada, ostentam riqueza, mas que não têm nenhum percurso nos negócios que se lhes reconheça? Se conseguirmos responder com acções práticas a esta pergunta, não haverá Wikileaks que nos crie desconforto. As informações divulgadas pelo wikileaks atingiram muitas sensibilidades internas também, embora não exclusivamente, porque criámos terreno fértil para isso...

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