Donald Bling: “Existe muitas vezes uma distância gigantesca entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende”
Os resultados preliminares dos exames da primeira época da 10ª e 12ª classes, publicados esta semana, reconvocam-nos velhas preocupações sobre o que verdadeiramente se está a fazer nas nossas escolas. Talvez mesmo sejam um alerta de que é chegado o momento de pararmos e reflectirmos sobre o nosso sistema de ensino em Moçambique.
E há imenso campo para reflectirmos. Tentar ocultar a verdadeira dimensão dos factos, evocando níveis de aprovação altíssimos em outras classes, é que não nos vai ajudar em nada. A 10ª e a 12ª são classes com exames, os seus resultados talvez exprimam cabalmente a qualidade do ensino, muitas vezes escamoteada pelos professores em classes sem exames, cujos níveis de aprovação são anormalmente altíssimos para a qualidade dos nossos estudantes e do nosso processo de ensino-aprendizagem.Fui professor durante quase uma dezena de anos e sei do que falo: o grosso do que sai nas pautas, no fim de cada ano lectivo, nas nossas escolas, não traduz o que aconteceu ao longo do ano, nas nossas salas de aulas! Nos dias de hoje, as metas estão acima de qualquer objectivo na Educação. Por isso, para a maioria dos professores, parece bem mais confortável atingir metas do que se arriscar a justificações perante as suas direcções pedagógicas.
Em alguns casos – na verdade na maioria – a garantia do contrato depende unicamente de metas.
Nada disto, no entanto, é propriamente novo. Ainda recentemente, uma pesquisa do Consórcio da África Austral para a Monitoria da Qualidade de Ensino (SACMEQ, sigla em inglês), concluiu que aproximadamente 80 por cento dos alunos moçambicanos com o quinto ano do ensino básico enfrentam “dificuldades” em resolver problemas fáceis e ler frases simples. A mesma pesquisa aponta dificuldades mais ou menos semelhantes nos alunos do segundo ciclo (8ª à 10ª classes).
Mais recentemente ainda, um estudo da Associação Industrial de Moçambique (AIMO) sobre competitividade industrial no país concluiu que as indústrias nacionais se deparam com problemas de falta de técnicos que respondam às necessidades específicas das suas firmas. Dito de outro modo: as empresas não sentem a nossa mão-de-obra preparada para servir de motor do seu crescimento. Pelo contrário, as empresas sentem que a mão-de-obra fornecida todos os dias pelos nossos institutos e universidades está a ser um custo para si, pois não está devidamente preparada para impulsionar o seu crescimento por forma a garantir a sua competitividade.
E quando o mercado, o exclusivo cliente e destinatário do produto da Educação, não está satisfeito, não é o mercado que tem que mudar. É a Educação que tem que fazê-lo. Pelos vistos, a nossa Educação tarda em compreender isso, continua ancorada em incompreensíveis desígnios de massificação, numa era em que conta a qualidade no lugar da quantidade.
O PIREP é até uma interessante tentativa de transformação dos paradigmas da Educação, em Moçambique. Quer reformar a Educação profissional, orientando-a para a demanda do mercado de emprego, através da articulação integrada dos ensinos Técnico-Profissional e Superior Politécnico, bem como das outras formações profissionais; quer promover a transformação do actual sistema de formação baseado na oferta num outro orientado pela procura do mercado formal e informal da economia alicerçado pela introdução de um currículo modular baseado em padrões de competências
O problema é que o ritmo da efectividade e dos resultados do PIREP não está alinhado ao ritmo das necessidades de uma economia alicerçada em pressupostos de mercado, que quer atrair um número cada vez crescente de investimentos. O PIREP é apenas um projecto-piloto, bom, é certo, mas insuficiente para disfarçar o festival de insuficiências que produz o actual processo de ensino-aprendizagem do nosso país. Ou seja, é todo o nosso sistema de ensino que está a precisar de uma verdadeira reforma, e não apenas o ensino profissional.
E depois, falta alguma coerência entre a formulação de objectivos e a realidade prática, na Educação: o estudo sobre competitividade industrial da Associação Industrial de Moçambique diz que a Educação dedica apenas 10% do seu orçamento ao ensino vocacional. A serem verdadeiros estes números, estamos perante uma colossal discrepância entre o discurso e a prática. Como pode o ensino vocacional ser uma prioridade na formulação política e não sê-lo na orientação de recursos?
O Ministério da Educação precisa, pois, de revisitar e rediscutir a sua estratégia institucional, do ponto de vista de visão, missão e objectivos estratégicos; mas também do ponto de vista da qualidade pedagógica dos professores – o seu processo de formação, critérios, métodos e resultados da avaliação, relevância dos conteúdos ministrados e sua ligação com a realidade actual. Precisa de discutir se, efectivamente, as matérias que são ministradas aos alunos os estimulam na aquisição do conhecimento, no gosto de aprender e de intervir, no desenvolvimento de capacidades como criatividade, persistência, inovação, paciência, etc.
Em suma, a Educação, avaliada, quase sempre pelos outros – é certo que esses outros são os seus utentes, mas... são sempre os outros - precisa de fazer a sua própria auto-avaliação e reformar-se. Como está é que não dá para continuar!
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