Assassinatos da Frelimo em Nachingwea
Em
entrevista que deu ao jornalista João Santa Rita, da Voz da América, em
Washington, o Professor Doutor Pacelli Zitha, filho de José Zitha,
conta como tudo se passou. Recorda a última vez que viu o seu Pai que
segundo ele foi raptado a mando de Armando Emílio Guebuza, actual
presidente da República.
Maputo
(Canalmoz) - A Comissão Africana dos Direitos Humanos, como temos
estado a noticiar, rejeitou pronunciar-se sobre o caso de um moçambicano
que desapareceu depois de ter sido preso durante o período de transição
para independência de Moçambique. O caso envolveu um cidadão que terá
sido julgado pela Frelimo em Nachingwea, na Tanzânia, com tantas outras
conhecidas personalidades que desapareceram como o Reverendo Uria
Simango e Joana Simião.
Foi
em Nachingwea, onde estava o “Quartel General” da FRELIMO, que nos
meses que antecederam a independência de Moçambique, várias centenas de
pessoas foram julgadas por alegados crimes contra a luta de libertação e
contra a revolução. Na altura, o então presidente da FRELIMO e primeiro
presidente de Moçambique, Samora Machel, declarou publicamente que
ninguém seria morto.
Se
é verdade que há pessoas bem conhecidas que morreram ou foram mortas
subsequentemente em campos no norte de Moçambique, há outras
personalidades menos conhecidas para a história. Uma dessas pessoas,
José Zitha, foi detida em Outubro de 1974 no Maputo, aparentemente por
uma força liderada pelo actual presidente da República, Armando Guebuza.
José Zitha foi levado para várias prisões e depois levado para
Nachingwea onde foi um dos julgados.
O seu filho, o professor Pacelli Zitha, que vive actualmente na Holanda, tinha na altura 13 anos quando o seu pai foi preso.
Em
entrevista à Voz da América (VOA), o professor doutor Pacelli Zitha
conta como tudo se passou. E recorda a última vez que viu o seu Pai que
segundo ele foi raptado a mando de Armando Emílio Guebuza.
Entrevista conduzida por João Santa Rita
Pacelli
Zitha (ZITHA): Um jeep chegou e havia militares da Frelimo. Os
militares da Frelimo vieram como que a convidá-lo para uma reunião.
A
reunião teve lugar na Escola Secundária da Matola. Essa reunião foi
liderada pelo actual Presidente, Armando Guebuza. Nessa reunião estavam
quase todos os membros dos Grupos Dinamizadores da Matola e outros
representantes da Frelimo.
Então,
segundo o que me foi contado, ele foi levado para essa reunião e quando
ele entra na reunião Armando Guebuza, portanto, não sei exactamente em
que termos, acusou-o de ser reaccionário e de querer tomar o poder com a
ajuda de Jorge Jardim, ou coisa assim.
E
depois a partir daí, ele foi levado pelos militares. Na altura não
soubemos porque ele ficou desaparecido durante um certo tempo. Andámos à
procura em todo o sítio, até que a uma dada altura chegou-nos a
notícias de que ele estava em Boane. Ainda tivemos um pouco de contacto
com ele nessa altura.
Eu
costumava ir a Boane nas tardes ao voltar da escola, para levar-lhe de
comer e coisas assim. Mas a uma dada altura ele desaparece de Boane
também. E só passado muito tempo, depois de muita procura, descobrimos
que ele estava detido na antiga Cadeia Civil no Maputo. Portanto, eu
estava na Escola Secundária e no mesmo ritmo, nas tardes, muitas vezes
por semana eu costumava ir levar-lhe de comer algumas coisas de casa.
Acho que ele deve ter passado o natal de 74 lá nessa Cadeia Civil. Nem celebrámos o Natal. Estivemos perto dele no Natal.
Mas,
nos meses seguintes, um dia aparecei lá, como sempre. E o responsável
apareceu muito embaraçado. Passaram-se muitos anos mas lembro-me do
rosto desse senhor. Ele nem teve a coragem de me dizer anda.
Então
eu voltei para casa. Falei com minha mãe, a minha mãe foi lá ver e esse
senhor disse-lhe que ele tinha sido levado com outras pessoas.
VOA: Sabe porque o seu pai foi preso?
ZITHA:
“É muito difícil dizer. Quando ele foi preso eu tinha 13 anos, mas a
minha interpretação é que ele foi preso porque ele representava uma
facção política que talvez era considerada como não sendo alinhada com
os princípios da Frelimo”.
VOA: Portanto, ele estava ligado àquelas organizações que surgiram na altura como o Gumo?
ZITHA: Ele
não esteve ligado a essas organizações. Portanto, nessa altura ele
decidiu como muita gente participar no activismo político, digamos nos
grupos Dinamizadores. Só que ele foi acusado de parceria ou de contactos
com Jorge Jardim. Foi acusado, ouvi isso aí de muitas pessoas, que ele
fez um certo número de viagens para a Swazilândia. Há as pessoas que
pensavam que ele estava em contactos directos com Jorge Jardim”.
VOA:
Em Julho de 2008, e com o apoio de uma advogada holandesa, Pacelli
Zitha, iniciou uma acção junto da Comissão dos Direitos Humanos da União
Africana para tentar forçar o Estado moçambicano a revelar o que se
passou com o seu pai.
A
Comissão de Direitos Humanos rejeitou o argumento do Estado de
Moçambique de que a Carta Africana dos Direitos Humanos só foi aprovada
após o alegado desaparecimento de Zitha pelo que não tinha competência
para analisar o caso.
E fez notar que o Estado moçambicano não negou que José Zitha tivesse sido preso.
A
Comissão africana confirmou que o desaparecimento forçado daquele
cidadão é uma violação dos direitos humanos mas concluiu que o seu filho
não tinha esgotado todas as instâncias jurídicas moçambicanas para
tentar obter justiça, pelo que se recusou a continuar a ouvir o caso.
Perante este facto, o professor Pacelli Zitha reagiu nos seguintes termos:
ZITHA:
Fiquei muito desiludido porque finalmente a Comissão ignorou a situação
particular de Moçambique. Na altura em que o caso esteve em frente da
Comissão não havia recursos e mesmo agora a situação talvez tenha
melhorado mas é muito difícil.
Estive
em contacto com alguns advogados em Moçambique e eles indicaram-me que
continuar com o caso em Moçambique corresponderia a uma espécie de
suicídio porque o poder não ia aceitar que esse caso fosse apresentado à
justiça.
VOA: Escreveu cartas ao presidente Chissano e também ao presidente Guebuza?
ZITHA:
Ao presidente Guebuza, sim. A carta foi envida pela minha advogada. O
primeiro passo que demos para tentar resolver este caso foi portanto
escrever uma carta ao presidente. Nunca tivemos resposta.
VOA:
Pelo que se sabe ele foi levado para Tanzania, houve os famosos casos
dos chamados julgamentos de Nachingwea. A partir daí desconhece
totalmente? Não ouviu de outras pessoas para onde é que possa ter sido
levado?
ZITHA: “
Sim apareceu uma foto num jornal tanzaniano e que foi tirada durante a
visita do antigo Presidente Samora Machel, à Tanzânia, a Nachingwea. E
isso aí representa uma prova directa da sua estadia em Nachingwea. Ele
estava ao lado de Joana Simião e outros presos políticos. Mas eles foram
todos transferidos para M’telela. Segundo eu sei ele também foi
transferido com todo o grupo.
Finalmente
ele, a Joana Simão, Uria Simango, etc., foram todos transferidos a uma
dada altura para M’telela. Mas não tenho, como dizer, prova material de
que ele esteve em M’telela”.
VOA:
M’telela é o nome de um local na província do Niassa, de má recordação
para aqueles que por lá passaram e para os familiares daqueles que por
lá ficaram sem se saber exactamente o que se passou. Portanto o mistério
mantém-se e agora que a Comissão dos Direitos Humanos da União africana
diz que há, primeiro, que fazer recurso dos instrumentos jurídicos
moçambicano, o que é que tenciona fazer Pacelli Zitha?
ZITHA:
Decidi com a minha advogada continuar com o caso em Moçambique porque
finalmente a decisão da Comissão africana é baseada sobre o facto de que
não esgotámos todos os meios jurídicos em Moçambique.
Estive
em contacto recentemente com um advogado para ver se ele poderia
apresentar o caso. Ele disse que seria muito difícil porque corria o
risco de retaliação mas, que havia de ver se havia uma forma indirecta
para apresentar o caso em Moçambique. (Voz da América / Redacção, com a devida vénia do Canalmoz)
Sem comentários:
Enviar um comentário