44.1% nunca devolveram qualquer valor
- 697.235 mil meticais (USD20milhões ao câmbio de 35 meticais) ainda por cobrar
-No período 2003-9 foram cobrados apenas 9.0% dos 766.408 mil meticais (USD22milhões) correspondentes ao saldo de 31 de Dezembro de 2002.
Por Francisco Carmona
Os controversos fundos do Tesouro, na maioria entregues à elite política ligada ao partido Frelimo, através de critérios pouco claros e transparentes, ainda estão longe de serem reembolsados na totalidade a fazer fé nos dados publicados no Relatório e Parecer sobre a Conta Geral de Estado de 2009 produzido pelo Tribunal Administrativo (TA). O documento, na posse do semanário SAVANA, foi libertado a 29 de Novembro de 2010.
Ao que o nosso jornal apurou de fonte do TA, este documento sobre a Conta Geral do Estado, referente a 2009, já foi oficialmente depositado no Gabinete da Presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, devendo ser debatido por aquele órgão de soberania, na sua próxima sessão a iniciar em Março.
É preciso notar que os créditos foram feitos com base em fundos concedidos ao Estado, entre donativos e créditos destinados ao reforço da Balança de Pagamentos de Moçambique. Donativos do Japão, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e créditos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da Agência de Desenvolvimento Internacional (IDA), um dos braços do Banco Mundial, foram concedidos a empresas nacionais sem garantias reais de retorno e a taxas de juro altamente concessionais.
Poucos pagam
O TA diz que no período 2003-2009, dos 34 beneficiários identificados dos créditos concedidos com fundos do Tesouro, apenas 12 fizeram pagamentos, o equivalente a 35.3%. Segundo o TA, 15, correspondentes a 44.1%, nunca efectuaram qualquer tipo de pagamentos e as restantes sete empresas têm feito pagamentos ao longo do período. O TA destaca a Comunidade Mahometana e o Grupo MOPAC como entidades que têm realizado pagamentos de uma forma regular. Faz notar que a Comunidade Mahometana, Grupo MOPAC e a KANES efectuaram em 2009 os reembolsos mais elevados, 3.900 mil, 1.646 mil e 1.220 mil meticais, respectivamente. O total dos reembolsos em 2009 foi de 9.529 mil meticais, uma queda de 2.6% em relação ao ano anterior e 1.1% relativamente ao saldo de 31 de Dezembro de 2008.
A MOPAC, vocacionada à produção e comercialização de guardanapos de papel e papel higiénico, bem como comércio geral (importação e exportação), tem como um dos sócios o conhecido empresário Jamú Selemane Hassan, antigo administrador do Banco Austral no reinado dos malaios.
Segundo o documento do TA, que temos vindo a fazer referência, o saldo em dívida da MOPAC até 31 de Dezembro de 2002, era de 79.856 mil meticais. Na conta em análise, a MOPAC aparece com um saldo a 31 de Dezembro de 2009 de 72.452 mil meticais. No período 2003-9 a MOPAC, empresa que anualmente amortiza o crédito, pagou 7.404 mil meticais, um peso de 9.3% em relação ao valor total do empréstimo.
Segundo o TA, em relação aos créditos cujos saldos foram comunicados pela Direcção Nacional de Tesouro (DNT) em 2002 verifica-se que, no período de 2003 a 2009, o total de reembolsos, de 2003-4, decresceu 26.2% ao passar de cerca de 27.800 mil meticais para perto de 20.530 mil meticais.
“Esta tendência manteve-se, reduzindo 70.8%, de 2004-5, ao passar para cerca de seis milhões e 80.1%, de 2005-6, do último valor para 1.192 mil meticais. Em 2007, registou-se um aumento de 269%, com 4.398 mil meticais, em 2008 decresceu 17.4% e em 2009 voltou a registar um crescimento em 54.9%, com 5.629 mil meticais”, sublinha o TA.
No tocante aos reembolsos efectuados pelas 34 empresas, no período que temos estado a fazer referência, verifica-se, segundo o TA, que as taxas de reembolso globais correspondem a 9% dos saldos comunicados em 2002 e 10.5% dos comunicados em 2004. O saldo comunicado em 2002 pelo Tesouro foi de 766.408 mil meticais, o equivalente a USD22 milhões ao câmbio médio de 35 meticais.
Recorde-se que nas contas anteriores o TA fez referência ao fraco reembolso dos montantes em dívida dos créditos concedidos com recurso aos fundos do Tesouro. O auditor das contas do Estado lamentava o facto de não estarem a ser accionados os mecanismos contratuais previstos para o cumprimento das obrigações pelos mutuários, designadamente, no tocante aos prazos, montantes de amortização e juros de mora, assim como não está a ser feita a cobrança coerciva prevista nos dispositivos legais. Mas em despacho de Dezembro de 2006, o ministro das Finanças, Manuel Chang, aprovou duas modalidades de reembolsos dos créditos de tesouro. A primeira reza que as empresas que efectuarem o pagamento da dívida a pronto pagamento, o mutuário beneficia de um desconto de 9.95%. Já a segunda indica que a prorrogação do período de pagamento da dívida por mais seis anos, o devedor incorre em capitalização composta (juros sobre juros) da sua dívida.
Um dos principais objectivos do Estado ao conceder os créditos de tesouro era criar uma burguesia interna que pudesse alavancar o desenvolvimento nacional que, por seu turno, deveria concorrer para o combate à pobreza, principalmente através da redução do índice de desemprego. Contudo, segundo os dados disponíveis, assistiu-se a umaempresarialização de figuras próximas da Frelimo que retiraram dinheiro do Estado, sem fazer o devido retorno em tempo útil. Assistiu-se claramente a construção de uma burguesia baseada no saque de fundos públicos.
Das 15 empresas que nunca reembolsaram qualquer valor destaca-se a TransAustral, propriedade do General João Américo Mpfumo, veterano da luta de libertação e antigo comandante da Força Aérea de Moçambique. Na TransAustral, empresa criada em Fevereiro de 1999 e com um capital social de USD100 mil, Mpfumo é sócio com o cidadão Inácio Macuácua.
A TransAustral beneficiou de um crédito avaliado em 38. 300 mil meticais em 2000. Em 2001 teve acesso a 61 milhões de meticais. Desde 2001 a esta parte, a TransAustral ainda não reembolsou nenhum valor.
Mpfumo tem igualmente interesses, juntamente com Daniel João Américo Mpfumo, na Sociedade Geral Africana de Importação e Exportação (SOGA). Em 2000, esta sociedade foi ao Tesouro buscar financiamento avaliado em 23.870 mil meticais. As condições do empréstimo foram altamente concessionais: o prazo de reembolso era de cinco anos, com diferimento de um ano a partir da chegada das viaturas. As viaturas chegaram em 2001 e praticamente já não são vistas a circular em Maputo.
Até 2008 a SOGA ainda não havia reembolsado o valor. Contudo, na conta que temos estado a analisar, a SOGA aparece com saldo zero, o que sugere que terá pago o valor na totalidade no decurso de 2009.
Colégio Alvor
Os Transportes Públicos de Maputo (TPM) e a controversa TSL continuam na lista dos 15 beneficiários que não cumprem com as suas obrigações. Os TPM estão a dever cerca de 80 milhões de meticais, contra 67.225 mil meticais da
TSL, uma empresa entretanto falida. A maioria dos seus autocarros foi vendida para saldar dívidas com terceiros.
O Colégio Alvor solicitou em 2002 um empréstimo ao Tesouro avaliado em 23.384 mil meticais, montante que ainda não começou a pagar.
Esta instituição, que tem como finalidade o ensino privado em regime de externato e internato no distrito da Manhiça, tem como sócios Amélia Narciso Matos Sumbana (actualmente embaixadora de Moçambique nos EUA e ex-secretária do Comité Central da Frelimo para as Relações Exteriores), Adriano Fernandes Sumbana, Filomena Panguene (esposa do ministro do Turismo, Fernando Sumbana Jr) e Fernando Andrade Fazenda (actual embaixador de Moçambique na África do Sul).
Porém, no parecer do TA de 2005, o Colégio Alvor solicitou um diferimento da data do início do pagamento da dívida para Setembro de 2006, por não ter iniciado plenamente a sua actividade. Na altura, as autoridades do Ministério das Finanças aceitaram este pedido. Contudo, na Conta Geral do Estado de 2009 não consta nenhum pagamento da dívida por parte do Colégio Alvor. Nem consta na lista das entidades que em 2009 solicitaram e beneficiaram da modalidade de prorrogação do período de pagamento. Os únicos beneficiários que activaram esta modalidade em 2009 são a Mozcor, Paviblocos, Metalec, Spar, Atromap e Colégio Kugómbwè. Esta indicação mostra que o prazo em que o Colégio Alvor se comprometeu a cumprir com as suas obrigações já foi ultrapassado em mais de três anos.
Pachinuapa
A Nhama Comercial Lda, detida por figuras políticas da Frelimo, continua na lista dos que ainda não começaram a honrar com os seus compromissos. Esta empresa tem como sócia, entre outros, Marina Pachinuapa, veterana da luta de libertação nacional. Actualmente Pachinuapa é assessora no Gabinete da Primeira Dama de Moçambique, Maria da Luz Guebuza. Na constituição da Nhama comercial Vitória Dias Diogo, actual ministra da Função Pública, aparecia como sócia.
Mas dois anos depois (Dezembro de 2002), Vitória Diogo retirou-se da empresa. Mas é preciso sublinhar que o crédito obtido pela Nhama Comercial foi concedido numa altura em que Luísa Dias Diogo, irmã da actual ministra da Função Pública, era ministra das Finanças. É que para se obter os empréstimos do Tesouro, os interessados submetiam ao Ministério das Finanças um pedido de financiamento acompanhado de um detalhado estudo de viabilidade do projecto. A decisão sobre a elegibilidade das empresas para usufruir dos empréstimos era da competência do Ministro das Finanças.
As empresas beneficiadas acordavam então com o Tesouro o pagamento dos contra-valores, após a utilização e expirado o prazo de deferimento concedido.
Em 2001, a Nhama Comercial foi contrair um empréstimo avaliado em 5.186 mil meticais, mas até ao dia 31 de Dezembro de 2009, esta firma ainda não havia iniciado o pagamento da dívida. A Nhama comercial dedica-se a actividade comercial a grosso e a retalho, incluindo a importação e exportação; assim como na realização de investimentos na indústria, turismo e pesca.
Alberto Chipande
Segundo o documento do TA, o Grupo Mecula, uma empresa vocacionada ao transporte de passageiros e mercadorias, turismo e distribuição de mercadorias, figura na lista dos que têm vindo regularmente a cumprir com os pagamentos acordados. Esta empresa pertence a Alberto Joaquim Chipande, veterano da luta armada, a quem a história oficial atribui a autoria do primeiro tiro da insurreição contra o colonialismo português. Foi Ministro da Defesa Nacional desde a independência em 1975, até à implantação do governo surgido das primeiras eleições multipartidárias em 1994.
Em 2001, a Mecula, fundada em 1999, obteve um crédito de 12.304 mil meticais, para, no ano seguinte, ir novamente ao Tesouro buscar 35.574 mil meticais.A empresa de Chipande começou a reembolsar os fundos do Tesouro em 2003, ano que devolveu 835 mil meticais. Em 2004 liquidou 1.410 mil meticais, para no ano seguinte pagar 310 mil meticais. Em 2006, não efectuou nenhum reembolso, mas no ano seguinte, 2007, foi pagar cash dois milhões de meticais. Em 2008 não pagou nenhum valor, mas em 2009 foi amortizar no tesouro 500 mil meticais, ficando com um saldo até 31 de Dezembro de 2009 de 42.294 mil meticais. No período 2003-9, a empresa do General Chipande reembolsou 5.045 mil meticais, um peso de 10.7% nos 47.339 mil meticais que foi buscar no Tesouro.
SAVANA – 14.01.2011
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