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VOA News: África

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Deputados de luxo

A comparação pode estar descontextualizada, mas não deixa de ser interessante: enquanto no Reino Unido (um dos maiores doadores ao orçamento do Estado, com cerca de USD 76 milhões para 2011) a era de austeridade deixa ministros apeados, em Moçambique a era de abundância dá aos deputados a prerrogativa de escolherem uma viatura de campo (4x4) a seu gosto: O Estado compra e distribui. 149 deputados “votam” Toyota Hilux 3000, 46 querem Nissan Navara 2.5, 34 optaram por Ford Ranger 2.5, oito “gostam” de Toyota Hilux 2.5, seis “simpatizam” com o Isuzu KB 2.5, três preferem o Ford Ranger 3000 e dois ficam com os Isuzu KB 3000. São no total 304.805.827 meticais que o Estado vai investir em meios circulantes para os deputados fiscalizarem o Executivo.
Na Assembleia da República (AR) estão parqueadas 12 viaturas Nissan Navara 2.5, TDI dupla cabina, de um total de 19 que compõem o primeiro lote. Os remanescentes (sete) estão a caminho do Parlamento para a posterior distribuição. No total, são 46 “Navaras TDI” que o Estado moçambicano vai comprar para igual número de deputados que optaram por esta luxuosa marca para trabalhos de campo. Cada viatura custou aos cofres do Estado 1.020.987.00 meticais, totalizando ao todo aproximadamente 47 milhões de meticais.
Na última legislatura (VI), o Estado comprou 250 viaturas de marca Ford Ranger, cabine dupla, para igual número de deputados da AR. Alguns deputados reclamaram que as viaturas não eram resistentes para o tipo de trabalhos que desenvolviam no campo, no âmbito da fiscalização das acções do executivo. O Governo, mesmo com as ondas de choque da crise económica, retorquiu favoravelmente à reclamação dos “representantes do povo”, oferecendo-lhes a prerrogativa de cada um escolher uma viatura de campo a seu gosto. O tecto está fixado em USD 17.500. Deste valor, o deputado paga durante a legislatura USD 7 mil (40%) para a alienação da viatura. Os remanescentes 60% são suportados pelo Estado.  Em casos em que o preço da viatura está acima do chamado valor residual (USD 17.500), a diferença é paga pelo deputado.
Em declarações esta semana ao SAVANA, o secretário-geral da Assembleia da República confirmou a existência de pouco mais de 10 viaturas Nissan Navara parqueadas na sede do Parlamento. Sobre o processo de compra das mesmas, incluindo o concurso público, Baptista Machaieie informou que não competia a ele esclarecer a pergunta, remetendo o jornal à direcção nacional do património do Estado.

Deputado escolhe, Estado compra
A directora nacional substituta do património do Estado, Argentina Maússe, informou que o processo de compra de viaturas para deputados para a presente legislatura iniciou em 2010. Segundo explicou ao SAVANA, na primeira estão abrangidos os deputados que estão na AR pela primeira vez, ou seja, os que cumprem o seu primeiro mandato. “Neste dois anos (2010 e 2011) vamos comprar 124 viaturas para igual número de deputados. Em 2012 vamos comprar mais 126 para outro grupo de deputados que neste momento estão a usar as viaturas recebidas na última legislatura”, disse Maússe, em declarações ao SAVANA na tarde desta quarta-feira.
A compra de viaturas pelo Estado de forma faseada deve-se, segundo a interlocutora, às dificuldades financeiras que o país atravessa. Ou seja, o Estado não está em condições de desembolsar o montante necessário para a compra de 250 viaturas para igual número de deputados.
Ainda na direcção nacional do património, o SAVANA ouviu o chefe do departamento de aprovisionamento. Júlio Buque, de seu nome, informou que houve um concurso público para a selecção da empresa fornecedora das viaturas.
Foi à luz do referido concurso que foram seleccionadas quatro empresas do ramo, nomeadamente a InterAuto (representante oficial da Ford), a Motorcare Lda (representante oficial da Nissan), o Grupo Entreposto (representante oficial de Isuzu) e a Toyota de Moçambique (distribuidor oficial de viaturas Toyota).

Os gostos dos deputados
Os “representantes do povo” escolherem quatro marcas com diferentes referências de viaturas 4x4 para trabalhos no campo. A última versão das opções dos parlamentares chegou à direcção nacional do património no dia 13 de Junho de 2011. Tratando-se da primeira experiência, alguns deputados foram mudando de opções à medida que iam se lembrando das condições de transitabilidade dos respectivos círculos eleitorais. Uma vez que as viaturas vão ser usadas no campo. O Grupo Entreposto deverá fornecer um total de 157 viaturas, sendo 149 de marca Toyota Hilux 3000 e oito Toyota Hilux 2.5, todos com dupla cabine. Aliás, a Toyota 3000 teve maior número de “votos” dos parlamentares: cerca de 60% dos 250 deputados querem Toyota 3000 para fiscalizar as actividades do executivo.
A seguir a Toyota 3000, a viatura Nissan Navara 2.5 teve mais votos: 46 deputados escolheram esta marca. A Motorcare Lda vai fornecer 46 viaturas desta marca.
Enquanto isso, 37 deputados escolheram viaturas Ford Ranger, sendo 34 pelo modelo 2.5 e três pelos Ford Ranger 3000, oito optaram por Isuzu, sendo seis pelo KB 2.5 e dois pelo KB 3000.

Dinheiro
Pelas contas do SAVANA, o Estado vai investir ou gastar 304.805.827 de meticais (USD10.8milhões) pela compra de 248 viaturas de campo para deputados. Dois deputados optaram por comprar pessoalmente as suas viaturas de trabalho, mas o Estado suporta os encargos aduaneiros pela importação.
As contas do SAVANA baseiam-se em preços de cada viatura obtidos na direcção nacional do património.
Porém, os preços fornecidos e os praticados no mercado pelos mesmos agentes mostram alguma variação. Por exemplo, o Estado pagou, por cada Nissan Navara 2.5, o valor de 1.020.987 meticais. Mas a cotação referente ao dia 13 de Julho de 2011 (quarta-feira) de Nissan Navara 2.5 na Motorcare Lda (o mesmo fornecedor do Estado) obtida pelo SAVANA indica o preço 1.350.000 por cada unidade.


Medidas de austeridade pontapeadas
Em Janeiro último o Governo de Moçambique informou ter conseguido economizar 3,9 mil milhões de meticais (contra 4, 9 milhões de meticais previstos) como resultado das medidas de austeridade adoptadas após as manifestações populares de Setembro de 2010.
Recorde-se que na sequência da revolta popular que paralisou as cidades de Maputo e Matola por dois dias (1 e 2 de Setembro) contra o agravamento de custo de vida, o executivo moçambicano decidiu congelar o aumento dos salários e subsídios dos dirigentes superiores do Estado, bem como reduzir viagens aéreas dentro e fora do país e diminuir ainda as ajudas de custo e os subsídios para combustíveis, lubrificantes e comunicações.
Em quase 4 meses o Governo previa poupar 4,9 mil milhões de meticais, mas conseguiu 3,9 mil milhões de meticais. O valor foi aplicado nos subsídios às panificadoras, transportes semi-colectivos e permitiu também a contenção dos preços dos produtos básicos.
Em Março último, o executivo informou que as medidas de contenção continuavam, porém a imprensa tem vindo a publicar operações de despesas desnecessárias ao funcionamento normal do Estado. Aliás, a compra de viaturas, algumas luxuosas, para deputados seguindo o gosto individual é um dos exemplos que atesta a continuação de despesas dispensáveis para o bom funcionamento do Estado. Aliás, directores nacionais e assessores de ministros continuam a viajar em classe executiva em deslocações tanto internas, como internacionais.
Lembre-se que os membros da Comissão Permanente da AR também têm direito a escolher uma viatura de campo, para além dos luxuosos Peugeot recentemente comprados para o uso protocolar. A intenção inicial dos membros da Comissão Permanente eram Mercedes-Benz, mas devido à crise económica acabaram “descendo” para as viaturas de marca Peugeot. Na Entreposto de Moçambique, um Mercedez-Benz custa pouco mais de 3.077.266 meticais, contra 2.848.540 meticais do  Peugeot 407 ST 3.0 Premium. Com a opção pelo Peugeot os membros da Comissão Permanente poupam 228.614 meticais por cada viatura. A Comissão Permanente possui 17 membros. Isto significa que o Estado vai desembolsar cerca de 48.5 milhões de meticais (USD1.7milhão) com os Peugeut para os dignos deputados membros da Comissão Permanente.
[Savana]

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