Maputo (Canalmoz) – Muito ainda se espera ouvir em relação ao diferendo que opõe os governos de Moçambique e do Malawi, suscitado pela navegabilidade dos rios Chire e Zambeze. Chamado a dar esclarecimentos, nesta quarta-feira, no parlamento, o ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, disse que Malawi violou uma série de procedimentos que haviam sido acordados em relação à navegabilidade dos rios Chire e Zambeze. Baloi disse que a tensão é fruto de uma série de episódios que se foram repetindo e que nada tiveram a ver com o lado moçambicano.
O ministro dos Negócios Estrangeiros fez uma narração cronológica de factos para mostrar o que, segundo as autoridades moçambicanas, é a veracidade dos factos, e o que classificou de lado “imprudente” das autoridades malawianas.
Oldemiro Baloi começou por dizer que a questão da navegabilidade dos rios Chire e Zambeze é uma matéria que vinha sendo tratada tecnicamente a nível dos governos de Moçambique, Malawi e Zâmbia, através de um memorando de entendimento concluído entre os três governos, em Abril de 2007, visando a mobilização de fundos para a realização do estudo de viabilidade. O ministro dos Negócios Estrangeiros fez uma narração cronológica de factos para mostrar o que, segundo as autoridades moçambicanas, é a veracidade dos factos, e o que classificou de lado “imprudente” das autoridades malawianas.
Disse também que entre Abril e Junho de 2008, os três governos que fazem parte do projecto lançaram um concurso internacional para a realização do estudo de viabilidade do projecto de navegabilidade dos rios Chire e Zambeze, adjudicado a um consórcio denominado ZARTCO.
Oldemiro Baloi acrescentou que foi o Malawi que “fortemente” recomendou a adjudicação àquele consórcio.
Segundo o ministro, em Agosto de 2009 representantes dos três países e a ZARTCO assinaram um memorando de entendimento sobre a realização do estudo de viabilidade do projecto. Acontece porém que em Outubro de 2009, o Governo moçambicano denunciou o memorando de entendimento por incumprimento pela ZARTCO da cláusula referente ao prazo de 21 dias para o início do estudo, referiu Baloi.
Em de Janeiro de 2010, prossegue o ministro, os governos de Moçambique e do Malawi mantiveram conversações em Maputo, no final das quais foi assinada uma acta que, entre outros aspectos, destacava que:
– Os governos de Moçambique e do Malawi notaram com preocupação a incapacidade da empresa ZARTCO de levar a cabo o estudo de viabilidade e concordaram em retirar-se do MdE devido a este facto;
– O Malawi informou a Moçambique sobre a vontade e interesse do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) de financiar o estudo de viabilidade do projecto;
– O Governo do Malawi solicitou, no mesmo encontro, autorização para levar a cabo a navegação experimental dos rios Chire e Zambeze, tendo Moçambique aconselhado às empresas envolvidas a obterem a permissão necessária junto das autoridades competentes, autorização esta que foi concedida.
A “estranheza” do lado malawiano
O ministro disse que enquanto tudo decorria, começou-se a assistir a um conjunto de “desenvolvimentos estranhos”. Foi nesses “desenvolvimentos estranhos” que, segundo o Baloi, em 2009 uma embarcação de tipo batelão, pertencente à empresa ETC Marine Lda, de pavilhão queniano, foi apreendida no rio Zambeze, na região de Morrumbala, quando navegava em direcção ao porto de Nsanje, Malawi, sem a devida autorização das autoridades moçambicanas.
E mais, prossegue o ministro: em Setembro do ano corrente a coberto do pedido de autorização para navegação experimental feito no encontro de Janeiro, uma embarcação denominada IMBI, pertencente à Empresa ETC Marine Lda, foi detectada a navegar no rio Zambeze e apreendida pelas autoridades moçambicanas em Marromeu. Nesta embarcação, encontravam-se dois indivíduos de nacionalidade queniana, cujos vistos se achavam expirados há 119 e 92 dias, respectivamente, tendo pago as devidas multas e sido instados a abandonar o País.
O ministro Baloi recorda, entretanto, que a autorização concedida pela INAMAR para a realização de apenas uma viagem exploratória já havia expirado porque a experiência já havia sido concretizada.
Recentemente, no decorrer da 11ª sessão da comissão mista de
Cooperação entre Moçambique e Malawi, realizada em Maputo, de 13 a 15 de Outubro de 2010, a delegação malawiana apresentou o pedido de autorização para navegação nos rios Chire e Zambeze. Na ocasião, a delegação moçambicana reiterou a sua posição da necessidade de realização do estudo de impacto ambiental e socioeconómico.
A “mentira” sobre o BAD
O ministro disse que a 20 de Outubro de 2010, uma delegação do Governo malawiano, constituída pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e dos Transportes e Infra-estruturas Públicas, manteve conversações com uma delegação do Governo de Moçambique, chefiada pelo ministro dos Transportes e Comunicações, acompanhado pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Eduardo Koloma, durante as quais a parte malawiana solicitou a libertação da embarcação retida para continuar a sua viagem para Nsanje e informou que o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) tinha disponibilizado USD 3,5 milhões para o estudo de viabilidade dos rios Chire e Zambeze.
Só que, segundo o ministro, o Governo moçambicano contactou o escritório do BAD em Maputo e foi informado que aquela instituição financeira ainda não tinha tomado alguma decisão em relação ao pedido de disponibilização de fundos para financiar o referido estudo de viabilidade.
A gota que fez transbordar o copo
A 22 de Outubro de 2010, uma embarcação foi interceptada pela PRM na região de Pinda, em direcção a Malawi. Nela encontravam-se quatro (4) ocupantes, incluindo o adido da Defesa da Missão Diplomática do Malawi em Moçambique. O ministro Baloi disse que o adido malawiano saiu de Maputo sem a devida comunicação ao Ministério da Defesa Nacional, como tem sido procedimento. O adido da Defesa do Malawi foi levado a Quelimane para mais averiguações, tendo sido liberto no dia 23 de Outubro de 2010. E é aqui onde se agudizou a tensão, em que o Governo de Malawi apelidou de provocação a atitude do Governo de Maputo.
Não levantar mais poeiras
Entretanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros entende que o assunto deve continuar a merecer a atenção dos governos de Moçambique, Malawi e Zâmbia, à luz dos entendimentos atingidos em Abril de 2007. “É nossa convicção que as partes saberão encontrar o caminho certo no espírito da boa vizinhança e parcerias existentes”. Baloi disse que deve “deixar-se a poeira assentar, pois já se disse e se repetiu tudo quanto era possível. Deixemos que o assunto seja devolvido ao fórum de onde nunca devia ter saído: a Comissão Interministerial Conjunta, constituída por Moçambique, Malawi e Zâmbia.
De referir, entretanto, que a situação é tão grave que o Malawi já começou a retaliar dizendo que se os malawianos não podem navegar em Moçambique, por uma questão alegadamente de soberania, os comboios também não poderão passar pelo Malawi de Moatize para Nacala, pela mesma razão de “soberania”. E neste impasse vai-se diluindo a importância da SADC e as possibilidades de desenvolvimento das regiões Centro e Norte de Moçambique, enquanto simultaneamente alguns interesses particulares vão prosperando e enquanto no seu epicentro se suspeita estarem interesses de indivíduos ao mais alto nível do Estado Moçambicano.
(Matias Guente)
2010-11-25 05:42:00
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