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VOA News: África

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

“Somos produto de várias misturas”


Mia Couto explicou, numa palestra, em Maputo, que nunca se pode pensar que existe uma identidade cultural que seja tipicamente moçambicana porque, por sua natureza, as identidades são de carácter dinâmico e sempre há espaço para diversas manifestações culturais de um povo. "As identidades são sempre múltiplas, quase sempre são misturadas. Não devemos ter medo de as misturar e não devemos estar à procura de pureza quando falamos de identidades".

Esta intervenção vem numa altura em que se fala de crise de identidade cultural em Moçambique. Quando se entra no campo da música, a velha geração procura quase sempre reduzir a actual produção musical à insignificância. Mia Couto afirma que não existe identidade, mas sim identidades, afirmação que nos remete à sua obra "Cada Homem é Uma Raça", de 1990, em que João Passarinheiro, personagem principal, é inquirido por um polícia que o pergunta: "Qual é a sua raça?" Ao que Passarinheiro responde simplesmente que "A minha raça sou eu mesmo. A pessoa humana é uma identidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia".

Para melhor compreensão deste assunto, convidamos o leitor a acompanhar a entrevista que Mia Couto gentilmente concedeu ao "O País", a seguir à palestra que dirigiu, esta quarta-feira, intitulada "A Literatura e a Invenção de uma Identidade Cultural".

- Como se pode estabelecer a ligação entre a literatura e a construção de uma identidade cultural moçambicana?

- Entre a literatura, que se propõe à partida como inventar mundos, inventar sonhos, inventar identidades, e outras invenções de identidades colectivas como a invenção da nacionalidade, da identidade religiosa e étnica há paralelos. Esses processos que estão na base da criação de identidades são quase os mesmos e muitas vezes recorrem a estratagemas sempre literários.

Por exemplo, uma das coisas que falei foi a ideia da Narração do Sofrimento - uma prática que vigorou no tempo antes da luta de libertação nacional, em que para se ingressar na Frente de Libertação Nacional o candidato tinha que narrar, numa sessão pública, algum sofrimento por si vivido - como uma espécie de legitimação de uma identidade. Qualquer colectividade religiosa, étnica ou rácica reivindica e encontra no sofrimento, na dor do passado, uma espécie de atestado e certificação da autenticidade e que permite que "tu" podes ou não entrar e incorporar neste colectivo.

- Disse que não há uma identidade cultural que seja puramente moçambicana. Qual é o alcance desta afirmação?

- As identidades são sempre híbridas. Quando se diz que sou moçambicano, sou desta etnia, por exemplo... não existe alguém que seja só puramente dessa etnia, cultura ou nacionalidade, do ponto de vista de definição de cultura, daquilo que é a marca de uma cultura como sinal de identidade moçambicana. Somos produto de várias misturas que se foram fazendo, e ainda bem que ninguém é puro, porque é em nome da pureza que quase sempre se fizeram os massacres, as exclusões dos outros. Existem identidades, mas elas não são estáticas. A identidade é uma coisa que muda no tempo, dentro de nós próprios e, portanto, não é uma verdade pura e imutável.

- Ao negar que haja uma identidade Mia Couto dizia que...

- A identidade de um povo é feita por um somatório de identidades individuais, colectivas, religiosa, de grupos, de raças, etc. É muito difícil dizer que um moçambicano é assim religiosamente. Um moçambicano é católico? Muçulmano? Tem religião dos antepassados? Ou é tudo isso misturado? A ideia é que a identidade é uma moldura, mas essa moldura tem que dar espaço a diversidades. Portanto, quando falamos de uma identidade temos que falar sempre no plural, porque se estou à procura de uma identidade pura vou cair sempre no erro.

- Será esta mensagem que pretendia veicular na obra "Cada Homem é Uma Raça"?

- Sim, porque as pessoas não podem ser definidas pela sua raça; não se pode dizer que alguém é assim porque é preto ou porque é branco. As pessoas são o que são porque são o que elas são. Eu não sou uma raça, sou Mia Couto, e isso implica que a pessoa tem várias identidades que se misturam e resultam nesta coisa que é a própria identidade.

- Será que se pode dizer o mesmo em relação à música? Existe uma criação musical que seja o paradigma da identidade cultural dos moçambicanos?

- A música passa por este mesmo cozinhado; é uma sopa que se faz, que tem raízes e que se devem encontrar com a terra, com as tradições, com o passado, com tradições, e depois a maneira como se cria um caldo cultural em que as coisas são capazes de se misturar. Os grandes povos que são exportadores de música fizeram isso muito bem. O Brasil, por exemplo, é um país de exportação de música de grande qualidade, fez isso porque foi capaz de misturar coisas diferentes; Cabo Verde é outro exemplo, é um país que exporta música de grande qualidade, porque se tornou espécie de uma misturadora.

- Então, o que se pode dizer da "guerra" que existe entre os músicos das velha e nova geração?

- Acho que tem que existir espaço para todos os géneros musicais e é preciso criar várias "escolas musicais" dentro do país. Alguns deles por serem nossos, e porque temos originalidade, sabemos que têm o carimbo moçambicano, e a marrabenta é um desses ritmos que tem toda a condição para sair de Moçambique e impor-se no mundo. Implica que alguém tem que trabalhar na qualidade, numa condição de saber que lá fora isso tem que ser visto de uma certa maneira.

Mais sobre Mia Couto

Mia Couto nasceu a 5 de Maio de 1955, na cidade da Beira. Tem 20 obras publicadas, dentre romances, contos, poemas e crónicas. É um dos escritores moçambicanos mais conhecidos no estrangeiro. António Emílio Leite Couto, seu nome oficial, ganhou o nome Mia do irmãozinho que não conseguia dizer "Emílio". Segundo o autor, a utilização deste nome tem a ver com sua paixão pelos gatos e desde pequeno dizia à sua família que queria ser um deles.

Mia Couto dissera uma vez que não tinha uma "terra-mãe", mas sim uma "água-mãe", referindo-se à tendência daquela cidade baixa localizada à beira do Oceano Índico.

Iniciou o curso de Medicina ao mesmo tempo que se iniciava no jornalismo, tendo abandonado a primeira para se dedicar a tempo inteiro à segunda opção. Foi director da Agência de Informação de Moçambique e mais tarde tirou o curso de Biologia, profissão que exerce até agora.

Confidenciou que a próxima obra será de poemas, mas não se ofereceu a adiantar quando será lançada; preferiu deixar que "O País" espere pelo tempo, que é a melhor biblioteca das nossas dúvidas.

Fonte: O PAÍS

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