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VOA News: África

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

BEIRA – uma saudação

Correspondênci@ Electrónic@
Por: Fernanda Queirós, em Portugal
a Beira – te e,
olha-me nos olhos…

Não, não é só um jogo de sedução contigo, caro/a leitor/a.
Deixa-me, por agora, contornar a volúpia e confessar. Isto é mais um repto que outra coisa. Uma espécie de cobro que venho ajustar com a cidade centenária.
Contra meu desejo e, por um acaso, fiquei deste lado. Do lado atlântico da ponte. Do lado da ausência, e, onde não há festa, pá! (escuto Chico Buarque para aconchegar a nostalgia).
Quando cheguei à desconhecida cidade da Beira, em 1995, nada havia em mim de africano, a não ser uns colares e uns perfumes marroquinos.
Eu era um exemplar irrepreensível de desconhecimento, uma moldura propícia para o futuro se desenhar, a seu belo prazer.
Cumpriu-se essa metáfora. O devir desenhava-se rapidamente na minha existência, a crosta da minha vida sofria todas as mutações.
Uma década de comparência de um ser humano num determinado ponto do planeta, faz desse ser uma espécie de ovni, no seu antípoda, ou na sua procedência. Bom, não será, necessariamente assim, mas, o que aqui importa, é que, a partir de então, eu passei a sentir-me assim. Um objecto estranho, no meu inverso geológico.
Simultaneamente, uma forma de desconcerto apoderava-se da placidez dos meus dias.
O confronto era, já, inevitável.
Qual era o meu lado da ponte?
Onde se situava o meu vínculo?
Sabemos que os elementos, as questões da nossa identidade humana são históricas e construídas.
Não se trata, portanto, da reinvenção de uma pertença, mas antes a fundação de mais um pressuposta na minha entidade.
Mas, essa percepção não é, absolutamente, tranquilizante.
Acrescentar a minha individualidade faz de mim uma pessoa mais inquieta, mais impertinente. Como se verá pela ousadia da anunciada cobrança, da despudorada provocação.
William Dubois (um dos pais do pan-africanismo) perguntava-se, "que coisa era essa de que era mais capaz de sentir do que de explicar".
Falava de um ancestral e duradoiro parentesco na longa duração da história de África. Que tecido matricial e intrínseco é esse que atravessa e mantém uma múltipla descendência comum africana? Coloco eu, do lado de uma menos sólida configuração ancestral europeia.
Vós sois mais africanos do que eu sou europeia.
E Dubois explica-se. O enlace íntimo, entre os africanos, a verdadeira essência do seu parentesco histórico "é a sua herança social de escravidão, de descriminação e de insulto".
Essa herança une os filhos de África.
Um imenso e inesgotável cenário para o pensamento e para a reposição da memória, um passado singular que ajudará a povoar o futuro.
Uma simpatia que me envolve.
Quero entender como e porquê essa atracção me enreda, me tenta, sem retorno.
Todos contamos, ouvimos, inventamos estórias. Todos conhecemos os lugares comuns das palavras e a tranquilidades que os sentimentos ganham nos espaços que menos reduzem a nossa humanidade.
Não é, tanto, esse o desafio.
O convite é para a compreensão daquela anuência histórica endógena, física e vital. Uma alma essencial e transversal à biografia africana, onde a Beira (Moçambique ) e seus povos se inscrevem, anteriormente às administrações coloniais terem inventado uma cidade no Aruângwa.
Uma permanência no espaço e no tempo…a da gentes tem mais de cem anos.
Beira, kuenda na kuenda…
ABeira-te, olha-me nos olhos e ajuda-me a compreender.
Enquanto isso e para a Festa, deixo-te, caro/a e tolerante leitor, estas belas palavras do poeta Octávio Paz.
Faz delas volúpia ou lucidez, tu decides…
Pressinto nos sonhos que não durmo
que estás ainda muito longe
onde fica o dia
em que tu vives
onde fica essa manhã
deslumbrada só de luz
só de música
só de ternura onde
podíamos acordar tu e eu.

 

Fonte:O AUTARCA

 M I R A D O U R O - bloge noticioso-MMVII



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