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VOA News: África

sábado, 22 de setembro de 2007

“Mamparra magaíza”!

Linha D'Água
Por Luis Loforte
Ainda me estão frescas na memória as mais variadas situações por que passaram os mineiros moçambicanos na África do Sul no tempo colonial. Cantineiros, agentes da administração colonial, prostitutas, vendedores de bijutaria, alcoviteiros, proxenetas, todos faziam o seu pé de meia à custa dos mineiros; Salazar morreu deixando Portugal com uma das maiores reservas de ouro do mundo por causa das remessas feitas pela África do Sul para pagar o suplício dos mineiros moçambicanos; além do mais, só excepções raras faziam com que esses homens viessem sãos do Transval porque na maior parte das vezes voltavam atacados pela silicose, doença comum entre mineiros e derivada da inalação excessiva do pó de carvão.
Samora Machel, para sustentar a luta que liderara, e com o discurso mobilizar as massas para segui-lo nos ideais, falou à sociedade da dureza do trabalho mineiro, da exploração impiedosa a que eram sujeitos, e das colossais riquezas acumuladas à sua custa; Mandela, nas suas memórias, associa também as motivações da sua luta a esse sofrimento, relatando de forma compungente, não só aquele calvário, como também as riquezas edificadas à margem dos que realmente trabalhavam.
Mas há também a exploração que resultava da ignorância do próprio mineiro moçambicano.
Na fronteira, nas estações de comboio e nas paragens de autocarros. Pena é que só trinta e dois anos depois finalmente Moçambique tenha conseguido reduzir o número de paragens do comboio dos magaízas.
Vira alguns traços dos embustes pregados aos mineiros na minha terra, mas na Moamba os presenciei com olhos da consciência. Moamba era a segunda maior estação depois da fronteira de Ressano Garcia. Aí chegado, o mineiro típico chamava a atenção por causa do sobretudo e do chapéu enorme, canivete multifuncional, lanterna e candeeiro pendurados na presilha das calças, lenço vermelho no pescoço e as botifarras a marcarem-lhe a cadência dos passos.
Lembro-me que chegavam ao fim do dia, com o crepúsculo a dar lugar à noite. No "Restaurante Flor da Moamba", creio que do João Cristóvão, em frente à estação, havia o juke box, onde com uma moeda se escolhia uma música para ouvir e ensaiar alguns passos de dança; as prostitutas, feitas com o homem do balcão, faziam daquela caixinha a porta de entrada para prender a atenção do magaíza a quem, acto contínuo, o puxavam depois para o balcão. Com a mão pousada na pega dengosa, ordenava em termos peremptórios:
— Dá-me aquela garrafa de cem escudos!
Ele marcava o preço do conhecido "Quinado", ou da zurrapa "Matateu", pagando por eles o quíntuplo ou o sêxtuplo do preço real indicado na prateleira. Mas o "mamparra magaíza" assim o quisera e o cantineiro só se limitara a facturar, partilhando os dividendos com a sedutora. Ao enésimo gole, o mineiro lá verberava a sua muito conhecida expressão, traduzindo o álcool que o aquecia por dentro, e o sobretudo que o fazia transpirar abundantemente:
— Fuck you, bustard, lomu kaya ka hissa man!
Houve casos de mineiros que saíram da Moamba sem um único centavo para levar à família, em Gaza ou em Inhambane. "Mamparra magaíza" assim surgiu para glosar com homens que eram explorados não só por ignorância, como também por falta de protecção das autoridades.
Se calhar não me lembraria de contar estes episódios se não tivesse recentemente tomado conhecimento que agentes governamentais se locupletaram com elevadas somas em dinheiro destinadas a pagar pensões de sangue a viúvas de mineiros nas províncias de Gaza e Inhambane.
Ao ouvir esta história macabra, imaginei aqueles agentes do governo dizerem, também: "mamparra magaíza". Se doía quando a expressão viesse da boca dos colonos, dói certamente mais, hoje, quando dita por moçambicanos ao serviço do Estado e em plena campanha de combate à pobreza absoluta.
Finalmente, gostaria de deixar aqui expresso que, além da revolta que isso me provocou, muito respeito passei a ter por uma ministra do Trabalho que denunciou os prevaricadores, e frontalmente assumiu a responsabilidade do acto, predispondo-se a desencadear o processo de ressarcimento daquelas pobres viúvas. Não sendo, obviamente, a primeira vez que se rouba dinheiro a viúvas de mineiros, e não só, não me lembro, sinceramente, de alguma vez um ministro deste pelouro admiti-lo publicamente e sem rebuços. Felicito vivamente a senhora Helena Taipo. Com a atitude da ministra, traduziu-se na prática o que tanto repetiu Samora Machel: a Independência Nacional não significa substituir o homem branco pelo homem preto; Independência significa justiça social!
Fonte: CORREIO DA MANHà

 



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