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VOA News: África

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O jubileu do luto e da mentira: o outro lado da história

Editorial

Maputo (Canalmoz) – 2012 foi declarado pelo partido que tem estado no poder, o “Ano do Jubileu”, justificando-se que este ano o partido Frelimo completa 50 anos da sua criação. Estamos, no entanto, perante uma descarada mentira como provam os factos.
A FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e Partido Frelimo são duas entidades diferentes e em rigor é mentira que a organização que está presentemente no poder seja a mesma que proclamou a autodeterminação e independência de Moçambique. É verdade que usurpou o acrónimo FRELIMO da Frente de Libertação de Moçambique, mas Partido Frelimo não é a mesma coisa que Frente de Libertação de Moçambique.
É preciso que os moçambicanos saibam que estão a querer enganar-nos quando pretendem fazer crer que o Partido Frelimo faz 50 anos.
É preciso que os moçambicanos se recordem ou fiquem a saber que a 03 de Fevereiro de 1997 foi extinta a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e no mesmo 3.0 Congresso, que decorreu em Maputo até 07 de Fevereiro, foi criado o Partido Frelimo. Seguiu-se até, como o comprovam os jornais da época, a campanha de “Estruturação do Partido”, um processo que levou à exclusão de milhares de antigos combatentes pela Independência Nacional que se recusaram a subscrever o marxismo-leninismo que passou a ser a ideologia do Partido Frelimo. Muitos antigos combatentes da libertação nacional foram até espancados e assassinados por discordarem quando se deu a ruptura entre os que subscreveram o “socialismo científico” ou marxismo-leninismo e os outros.

Os próprios Estatutos do Partido Frelimo, aprovados no 7.0 Congresso na Matola, que decorreu de 19 a 24 de Maio de 1997, e revistos a 17 de Junho de 2002 no 8.º Congresso, este também na Matola, fez domingo último 10 anos, no seu preâmbulo refere e citamos: “nós, militantes do Partido, herdeiros da Frente de Libertação de Moçambique…”. Quem herda não é. “Pela boca morre o peixe”…
Nos mesmos estatutos refere-se no ARTIGO 1.2 que o Partido Frelimo foi fundado em Dar-es-Salaam, na Tanzania, a 25 de Junho de 1962. Também isso é uma redonda mentira porque o que foi realmente fundado na capital tanzaniana nessa data foi a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). O Partido Frelimo foi fundado a 03 de Fevereiro de 1977, em Maputo, capital de Moçambique já independente, na altura há cerca de dois anos.
No Artigo 2 dos Estatutos em vigor o próprio Partido Frelimo admite que “o Partido continua a acção e tradições gloriosas da FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE…”, mas admite isso só em 1997, já depois do Acordo Geral de Paz quando começa a querer limpar as nódoas do passado.
Em 1977 os que criaram o Partido Frelimo romperam com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), extinguindo-a. A parte de militantes que não subscreviam o marxismo-leninismo não deixaram de ser antigos combatentes pela Independência Nacional, não deixaram de ter sido da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), mas deixaram de ser do “Partido Frelimo – Partido de Vanguarda Marxista-Leninista”.
Uria Simango e muitos outros foram fundadores e membros da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), foram mortos pelo regime em processos extra-judiciais e até hoje se desconhece onde estão os seus restos mortais. Nunca foram do Partido Frelimo.
A morte de Eduardo Chivambo Mondlane que também ainda hoje se ensina nas escolas que foi na sede da Frente de Libertação de Moçambique, em Dar es Salaam, é mentira que tenha sido aí. Foi, de facto, a mais de quinze quilómetros da sede da FRELIMO na baixa da capital tanzaniana. Foi em Oyester Bay, na residencial de uma americana, Betty King, que era na altura secretária da esposa de Mondlane, Janet Mondlane, também ela de origem americana. Porque esconderam a verdade que até veio expressa no Boletim da FRELIMO editado em Dar es Salaam pelo falecido jornalista Ian Christie?
Por que razão mentem estes senhores do Partido Frelimo?
Usam os bens do Estado Moçambicano para seu próprio benefício. Usurpam os meios do Estado e servem-se de datas nacionais que a todos cobrem e não dizem respeito apenas ao partido Frelimo e ignoram as valias dos outros tão moçambicanos como eles, porquê?
Falam de paz mas usam sistematicamente armas para atingir os seus fins, porquê?
Os moçambicanos terão todos muito orgulho na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) mas não têm todos orgulho do Partido Frelimo.
Os moçambicanos terão todos orgulho de serem hoje cidadãos de um País soberano, mas nem todos se revêem ou se identificam com o Partido Frelimo.
Moçambique tem hoje mais de 20 milhões de habitantes e o Partido Frelimo reivindica como seus membros cerca de 2 milhões. Admitindo essa probabilidade os membros do Partido Frelimo não chegam a 10% dos cidadãos moçambicanos.
Como já foi anunciado, as comemorações deste partido que merece tanto respeito como todos os outros, mas a que não assiste o direito de se julgar dono do País e dos seus cidadãos, vão continuar, e tudo leva a crer que a partidarização das datas nacionais vai também continuar a servir para confundir todo um Povo a quem se insiste em enganar fazendo crer que quem libertou Moçambique foi apenas quem está no Partido Frelimo.
Na próxima segunda-feira é dia 25 de Junho, Dia da Independência Nacional que se proclamou em 1975. Para ela contribuíram milhões de compatriotas que não se revêem no partido Frelimo, mas este partido porque se tem mantido no poder, irá certamente mais uma vez usar esta data nacional para enganar os moçambicanos no geral fazendo crer que foram apenas os que criaram o Partido Frelimo que criaram a Frente de Libertação de Moçambique. Até omitem a memória do III Congresso que criou o partido marxista-leninista a 3 de Fevereiro de 1977.
A Frente de Libertação de Moçambique foi criada a 25 de Junho de 1962 e foi extinta a 03 de Fevereiro de 1977. Não chegou a fazer 15 anos. Já o Partido Frelimo, criado a 03 de Fevereiro de 1977, a 25 de Junho, na próxima segunda-feira não faz anos. Já fez 35 em Fevereiro. Isto são factos.
Durante esta fase preparatória do dito “jubileu”, muitas coisas foram acontecendo, perante as quais só se pode manter calado, quem beneficia do caos instalado no País pelo regime que vigora eliminando opositores, aldrabando eleições, prendendo quem discorda, roubando bens do Estado, viciando a Justiça, fechando os olhos às práticas dos que violam as leis só porque pertencem ao mesmo “clube”.
Para além da usurpação dos meios e datas do Estado, os discursos que têm estado a ser propalados pelos dirigentes do Partido Frelimo e seus acólitos, são um verdadeiro insulto à memória de muitos moçambicanos desaparecidos, mortos e espoliados, e de suas famílias e herdeiros.
Nesta edição voltamos a falar de uma das vítimas do célebre processo de Nachingweia em que uma parte dos membros da Frente de Libertação de Moçambique que viria a criar o Partido Frelimo eliminou fisicamente a outra alegando apenas que eram reaccionários.
No recente “simpósio”, que foi realizado na Matola a semana passada perfilaram antigos membros do “Bureau Político do Partido Frelimo” entre os quais uns membros fundadores outros não da Frente de Libertação de Moçambique – o Movimento de Libertação que congregava diferentes sensibilidades de moçambicanos. Os que foram afastados do Partido Frelimo quando foi extinta a Frente de Libertação de Moçambique, os que foram forçados a sair do País e muitos combatentes anónimos pela Independência Nacional, como sempre foram marginalizados e estão a ser marginalizados, precisamente porque este “jubileu” ainda é o do luto e da mentira.
Foram marginalizados os que não concordavam com as ideias marxistas-leninistas adoptadas pelo grupo do Partido Frelimo. Foram presos e mortos porque defendiam para Moçambique uma sociedade diferente, com direitos, liberdades e garantias que só uma guerra civil tremenda e devastadora acabou por forçar a que fossem admitidos e institucionalizados constitucionalmente.
No “simpósio” da semana passada na Matola, mais uma vez, a história voltou a ser escamoteada. Os moçambicanos voltaram a ser presenteados com meias verdades e mentiras. A verdade continua a ser escamoteada incompreensivelmente.
De todos os oradores do dito simpósio, desde Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos, a Feliciano Gundana, e tantos outros, ninguém ousou tocar no outro lado da história. Todos falaram do que convém. Ocultaram factos relevantes.
Ninguém falou dos assassinatos dos chamados reaccionários; ninguém falou das aldeias comunais e do desastre sócio económico e cultural que foi essa experiência. Ninguém falou da operação produção em que milhares de inocentes foram levados de Maputo para serem deixados à mercê de leões em Niassa. Ninguém falou dos campos de reeducação de onde milhares de moçambicanos não voltaram mais, nem ninguém os voltou a ver. Ninguém falou das torturas e fuzilamentos públicos dos chamados “inimigos da revolução ou inimigos do povo”.
É importante que se diga a verdade para não se continuar a alienar as mentes dos moçambicanos.
Se os autores desses crimes hediondos os escondem porque têm vergonha dos seus actos, então estão a tomar a decisão errada. O que devem fazer é retratarem-se e redimirem-se publicamente, confessando os seus crimes, pedindo perdão às vítimas e devolvendo os restos mortais das vítimas aos seus entes queridos. Acreditamos que se o fizessem estariam a promover a unidade nacional. Com a mentira não!! (Canal de Moçambique)

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