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sábado, 18 de agosto de 2007

Trair a pátria

Fernando Gonçalves

A minha geração é de gente que era tão jovem para ter participado na luta pela independência nacional. O que sabemos (ou que julgamos saber) do que aconteceu nessa heróica luta são algumas histórias soltas, contadas por alguns dos que nela participaram, ou através da escassa literatura existente sobre a matéria.

Talvez por isso não estejamos qualificados para discutir, com profundo conhecimento de causa, os vários episódios registados durante a guerra de libertação.

Contudo, numa guerra de guerrilha como a que conduziu à independência de Moçambique, não há uma única versão sobre os vários acontecimentos registados. A história dos vários movimentos de libertação não só em África, como também em outras partes do mundo, revela que nem sempre tenha havido uma única corrente de pensamento sobre a estratégia a seguir, e que as várias contradições existentes entre os protagonistas não tenham sido resolvidas pela via do diálogo.

Na ausência de uma ordem civil reconhecida por todos, essas contradições não são resolvidas pela via de uma mediação judicial. Na ausência dessa ordem, as clivagens, fuzilamentos, assassinatos e pequenas e grandes traições tornam-se nos métodos mais eficazes de resolução de conflitos internos, onde sai vitorioso não necessariamente o grupo ideologicamente mais correcto, mas aquele que conseguir impor a sua força sobre os outros.

É o grupo vitorioso que depois se encarrega  de contar a versão oficial da história. E a história será sempre narrada no sentido de mostrar que a corrente triunfal foi a que mais clarividência teve, aquela que estava mais correcta. Os derrotados serão sempre projectados como aqueles sob a direcção de quem o objectivo da libertação não teria sido alcançado. Derrotados e subjugados que estão, a sua versão permanecerá simplesmente no seu íntimo.

Os protagonistas da luta pela independência de Moçambique não podem todos terem sido simultaneamente unânimes quanto ao projecto de Moçambique independente que visualizavam. Havia os marxistas-leninistas que se quedavam para Moscovo e seus satélites do Leste Europeu, os defensores da Longa Marcha à moda de Mao, os sociais democratas e os pura e simplesmente capitalistas. Cada uma destas linhas entrava em confrontação com as outras, mas apenas uma teve que sair vencedora. Não porque as outras tivessem tido uma visão menos nacionalista. Foram simplesmente casos de ideologias erradas no momento errado, no lugar errado, lutando contra forças erradas.

É por isso demasiado pesado que 32 anos após a proclamação da independência, o nosso ilustre pensador Sérgio Vieira venha tentar reabrir as feridas já saradas, declarando, numa entrevista ao semanário O País, na semana passada, que Uria Simango, antigo vice-presidente da FRELIMO, "foi executado por crimes contra a pátria". Se é que Simango cometeu algum crime, não é certamente nenhum dos crimes previstos no Código Penal por que se guiam os tribunais na República de Moçambique. A não ser que alguém esteja a procurar elevar a FRELIMO, um partido político, ao estatuto de pátria, posição que entraria em conflito com a Constituição da República.

Estas são declarações perigosas, que políticos da craveira de Sérgio Vieira devem ter a prudência necessária de evitar fazê-las publicamente. Terá Sérgio Vieira, antes de fazer aquelas tristes declarações, tido em consideração o facto de que Uria e Celina Simango têm filhos sobrevivos, um dos quais foi seu par na Assembleia da República, e que outro é o presidente do segundo maior município deste país? Aparentemente não. Ou se sim, então essas declarações foram meticulosamente calculadas para infligir sobre eles a maior humilhação possível. Mas para que ganhos?

Já imaginou Sérgio Vieira um cenário em que por hipótese teria sido a ideologia de Simango e seus seguidores a triunfar naquela época, como parece ter acabado sendo o caso décadas mais tarde?

Querelas ideológicas do passado devem pertencer ao passado. Elas não fazem parte da equação para a edificação de uma sociedade nova, livre do ódio. Moçambique quer avançar para frente; não queremos viver do passado. Depois da reconciliação na família moçambicana alcançada em Outubro de 1992, apesar de todas as atrocidades cometidas durante 16 anos, não acredito que haja mesmo dentro da FRELIMO muitos sectores que se tenham sentido reflectidos nas declarações de Sérgio Vieira a respeito de Uria Simango. Tem que ser assim, para a felicidade e prosperidade do nosso povo.

Fonte:SAVANA

 M I R A D O U R O - bloge noticioso-MMVII



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